20/09/2014

RONDA DOS QUATRO CAMINHOS | Discurso Direto


Minho, Galiza, Trás-os-Montes, eis a geografia do novíssimo trabalho da Ronda dos Quatro Caminhos, "Tierra Alantre". Sucessor de Terra de Abrigo, o disco que há uma década marcou encontro entre o cante alentejano e o som de uma orquestra, Tierra Alantre prossegue essa busca de um cruzamento de linguagens entre a música de tradição oral e a tradição da música escrita. No momento em que celebra 30 anos de carreira, o Portugal Rebelde esteve à conversa com a Ronda dos Quatro Caminhos em "Discurso Direto".

Portugal Rebelde - No momento em que celebra 30 anos de carreira, a Ronda dos Quatro Caminhos reinventa-se numa nova aventura pela música tradicional, desta vez com dois parceiros de excepção: a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de S. Carlos. Querem falar-nos um pouco deste “desafio”?

Ronda dos Quatro Caminhos - O que ressalta são os dois parceiros de excepção que, num momento de excepção e de felicidade para nós, deram um brilho diferente ao projecto da Ronda. Trabalhar com uma orquestra e um coro prestigiados e de qualidade inquestionável foi a melhor maneira de sobressairem as nossas concepções musicais para este trabalho.

PR - Tal como em “Terra de Abrigo”, é verdade, que este novo trabalho prossegue a busca de um cruzamento de linguagens entre a música de tradição oral e a tradição da música escrita?

Ronda dos Quatro Caminhos - A Ronda tem, no seu longo percurso, abordado de diferentes formas a música regional e tradicional. Apreciamos as formas mais simples, dos instrumentais mais singelos aos cantares sem qualquer acompanhamento, como apreciamos a “sofisticação” de muitos instrumentos, populares ou não, ou as polifonias vocais mais elaboradas. Misturar duas maneiras de trabalhar a música é, parece-nos, acrescentar uma dimensão mais à música tradicional. Nesta altura é o modo que nos dá gozo. Mas nunca esqueceremos que a tradição original e a simplicidade são um valor a nunca perder de vista.

PR - Minho, Galiza,Trás-os-Montes, é a geografia desta Tierra Alantre. O grupo convocou ainda uma mão cheia de amigos das regiões por onde trabalhou. O resultado é uma reunião de quase 140 músicos à volta de uma colecção de 12 temas em que o português, o galego e o mirandês se confundem nas vozes com a mesma naturalidade com que, desde sempre e ainda hoje, a música e a cultura popular confundiram as linhas administrativas que dividem territórios. Concordam, que “nas tradições, nos amores, na vida do dia a dia, na língua, a fronteira não separa, une as pessoas?

Ronda dos Quatro Caminhos - Do que está escrito sobre a relação entre povos vizinhos, umas vezes criando feridas fundas e inimizades ancestrais e outras criando amizades e miscigenações, a nossa experiência tem-nos mostrado exemplos do que de melhor há no convívio entre regiões. A nossa prática diz-nos que a música tradicional não conhece barreiras criadas administrativamente, sem prejuízo da riqueza de diferentes abordagens em diferentes locais. Quanto aos 140 participantes e às suas diferenças, que são uma importante realidade, têm alguns denominadores comuns: a seriedade na abordagem do trabalho, a disponibilidade para aceitar desafios e a boa vontade para “aturar” a Ronda e os seus pedidos. Temos uma enorme gratidão para cada um deles.

PR - Amadeu Ferreira escreveu no press release, deste disco que “as canções seleccionadas são apenas picos de uma cordilheira de sons e de vidas que, à medida que os conquistamos, sempre outros picos encobrem, num convite à descoberta de um legado que, sendo embora da humanidade, apenas se deixa conquistar numa renovação constante, porque só assim se pode erguer como bandeira deste tempo que é o nosso.” É este é o maior elogio, que podíamos fazer às canções de “Tierra Alantre”?

Ronda dos Quatro Caminhos - Amadeu Ferreira é, no processo de feitura deste trabalho, uma das melhores experiências que tivemos. É um exemplo de que a música, como a fazemos, é uma actividade de afectos e não teria qualquer sentido para nós se assim não fosse. A globalidade do texto referido devia ser lido, extraídas as referências elogiosas feitas à Ronda, como reflexão para todos os que pensam, estudam e trabalham com a música tradicional. É um texto que ultrapassa a Ronda e introduz uma poética filosofia sobre o respeito pelos antigos e pela nossa identidade e um amor enorme pelas nossas coisas.

PR - “Quando ouvires estas melodias, caminha dentro delas, pois dizem aquela que é a tua gente e contam a tua própria história, inserida na caminhada colectiva que vamos fazendo para nos erguermos e mantermos dignos e humanos.” (Amadeu Ferreira) Este foi o “caminho”, que o grupo sempre procurou trilhar ao longo dos 30 Anos de vida?

Ronda dos Quatro Caminhos - A Ronda tem um percurso diverso. Os trabalhos publicados são uma das facetas do grupo. Outras serão as suas apresentações públicas, elas próprias dividindo-se entre aquelas em que estamos com orquestra, ou com quarteto de cordas, ou com um ou mais coros, alentejanos ou não e acima de tudo quando “apenas” os seus seis elementos fazem o espectáculo. Seja num palco solenizado por uma orquestra ou no palco mais humilde, procuramos ter uma presença honesta em que, intrinsecamente, estão os valores incluídos no “caminho” referido. Mas outros caminhos serão a diversão, a alegria, a criatividade e as emoções várias que a música pode dar.

PR - Para terminar, 30 Anos depois, que “encruzilhadas”, quer ainda a Ronda explorar?

Ronda dos Quatro Caminhos - Esta pergunta, colocada normalmente neste lugar das entrevistas, não tem, para já, uma resposta concreta. Vontade, ideias, hipóteses, nada disso falta. O resto virá, esperemos!, a seu tempo.

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