30/09/2016

YOLANDA SOARES | Discurso Direto


Depois de 3 anos de inspiração, trabalho e muita convicção, e após 5 anos sem lançar um novo álbum, eis que estreia agora a "obra" que a cantora crossover Yolanda Soares considera a mais lusitana, madura, sedutora e romântica das suas produções. Com artistas convidados, nacionais e internacionais, de grande nível, o novo álbum “Royal Fado” promete "coroar" Portugal . No dia em que "Royal Fado" chega às lojas, é minha convidada em "Discurso Direto" Yolanda Soares.

Portugal Rebelde -  “...lá vai ela para as óperas...”. Foi este o “mote” que serviu de inspiração para este novo trabalho?

Yolanda Soares - Sim, foi o mote para o meu novo CD “Royal Fado”. Esta frase dita pelos guitarristas .." lá vai ela para as óperas ..." tem muito que se lhe diga . Inovação, mudança, brilhantismo, diferença...e ao mesmo tempo a incapacidade de ver além e uma certa recusa à liberdade de expressão artística e até social. Amália , que tinha essa inteligência inata de se desafiar e desafiar os outros, tinha também dentro dela uma inquietação própria de quem é verdadeiramente artista, pensador , criador. E quando, na época, decidiu cantar Camões, Almada Negreiros e outros tantos escritores mais eruditos e aceitar composições de Alain Oulman, entre outros , acabou por traçar um caminho que mais tarde determinou um estilo que inspirou e inspira toda a nova geração fadista. Criticada na altura, como acontece com tantos artistas que decidem fazer incursões artísticas inovadoras, hoje é uma Rainha. E esses temas, considerados quase como difíceis "árias de Fado", ou Óperas para os ouvidos dos guitarristas, quer pela sua incapacidade técnica ou eventualmente incapacidade criativa de abordar a música, são dos mais bonitos e mais cantados hoje em dia, mudam-se os tempos mudam-se as vontades. Claro que essa frase tem um grande poder motivador em mim...risos. Antes de mais, pelo facto de eu ter formação clássica, pois comecei por tirar o curso de canto (lírico) na escola de música do Conservatório Nacional, e hoje em dia também faço espectáculos com árias de ópera e canto lírico, e depois porque sempre tracei um caminho diferente no que diz respeito à música. Nos trabalhos discográficos que fiz e faço procuro exactamente inovar e ser diferente. É uma inquietação que também sinto. Penso que seja também uma particularidade minha desde pequena. Sempre fui inquieta nas minhas ideias e sempre quis experimentar novos rumos. Talvez para me desafiar a mim própria. Desafiar os outros também. Há uma certa paixão forte e intrínseca que tenho em criar e procurar caminhos diferentes. Mesmo que erre, ou melhor, mesmo que não esteja na moda, experimento, coloco à prova, pois o meu principal objectivo quando crio, nunca é com sentido comercial. Deveria ser, eu sei, mas não tenho como contornar isso em mim. Vivo para criar e não para me moldar consoante os estilos ou tendências. Simplesmente porque o faço com paixão e a paixão é difícil de controlar. Portanto, a frase irónica dos guitarristas dessa época ,"lá vai ela para as óperas " (lá vai Amália para as óperas) inspirou-me e motivou-me para criar novamente algo diferente como o “Royal Fado”.

PR - Neste “Royal Fado” junta-se a Claire Jones, harpista da Casa Real da Inglaterra. Quer falar-nos um pouco deste encontro?

Yolanda Soares - O meu objectivo inicial era encontrar uma harpista que fosse solista, diferente e que se destacasse neste instrumento. Normalmente pensa-se na harpa sempre inserida numa orquestra ou formação mais clássica. Eu queria desafiar uma harpista a abordar estes Fados de Amália ( da época que considero a mais romântica e erudita na carreira de Amália) de uma forma igualmente romântica, que quase nos remetesse ao universo da ópera e que ao mesmo tempo fosse "mente aberta" o suficiente para viajar pela dita "world music". Pois uma característica interessante da época da Ópera romântica era a de também se utilizar muitos "motivos" nacionalistas ou da música tradicional, nas obras que eram compostas. Quando pensei em harpa também pensei logo no País de Gales, onde a harpa é o instrumento por excelência característica desse País, assim como a guitarra portuguesa é o instrumento mais popular que nos caracteriza. Na minha pesquisa encontro a Claire Jones. Primeiro a tocar exactamente da forma romântica que eu idealizava, e depois noutros projectos mais arrojados com os tais motivos tradicionais. Além de trabalhar a sua carreira e imagem de forma cuidada e gostar de se afirmar como solista . Ou seja, achei-a muito parecida comigo na forma como dirige a sua carreira. Logo, senti empatia imediata. Desafiei-a e foi automático. Estávamos em sintonia. Tive também a sorte de ter a proposta do marido dela, o Chris Marshall (que é percussionista, compositor, arranjador, trabalha na West End, e compõe muito para a Claire) para fazer todos os arranjos musicais para o meu CD. Não foi o facto dela ser uma das principais harpistas da realeza em Inglaterra, mas obviamente o currículo dela inspirou-me muito para a escolha que decidi fazer. O currículo dela é invejável e de uma grande profissional que se destacou pela incrível capacidade musical que demonstrou desde muito nova. Eu arrisquei o convite e fui bem sucedida ..risos.. Acertei em cheio para o tipo de projecto que idealizava onde o universo da ópera e a música tradicional podem dialogar muito bem.

PR - Neste disco inspirou-se uma vez mais em Fados Amalianos. Poderá afirmar-se que Amália é a nossa Callas do Fado?

Yolanda Soares -  A Callas esteve/está para a ópera como Amália esteve/está para o Fado. Desde a alma ao brilhantismo e expressão vocal e artística, a serem ambas muito fortes e revolucionarias, são imortais e difíceis de igualar. Criaram história . Não há artista na ópera ou artista no Fado que não tenha como "escola" de voz e sentido musical Callas ou Amália. Logo, tanto uma como outra foram cruciais na forma como eu desenvolvo os meus trabalhos. São como que modelos de aprendizagem para depois eu seguir o meu próprio rumo.

PR - “O nosso Povo”, tema da autoria de Carlos Paião foi o single de avanço deste “Royal Fado”. Este é o tema que melhor caracteriza o “espírito” deste disco?

Yolnda Soares - Sem dúvida. O Fado neste disco, e no nosso País, é o Rei. É ele, que através do povo, nos tornou distintos e únicos no mundo, traçando muitos dos nossos passos e criando história em Portugal. Ao descobrir este tema que Carlos Paião tinha composto para Amália ( mas que não chegou a ser editado) descobri uma plena sensação de realeza no povo que ele descreve, e onde me insiro. Somos Reis na persistência, na luta permanente, na capacidade de nos erguermos, na capacidade de sonhar de nos reinventarmos. De ser destemidos e guerreiros. Somos Reis na gratidão e na forma como recebemos os outros. Somos Reis na história,na saudade e na escrita. Conseguimos transformar tudo em fado. Transformamos tristezas em arte e dificuldades em esperança. Somos um povo Real. “Royal Fado” é "O nosso Povo". Em termos musicais, neste single, existe também um diálogo muito evidente entre a harpa da Claire Jones e a guitarra Portuguesa de Custódio Castelo. O diálogo que sempre imaginei que pudesse existir no fado. O erudito e o tradicional. Ambos a dialogar de uma forma muito natural e criativa. Não existe fronteiras na música. Vivemos todos no mesmo espaço sem necessidade de nos catalogar ou reprimir. É aqui que se consegue viver em plena comunhão. Isso para mim é Real.

PR - Numa frase apenas como caracterizaria este “Royal Fado”?

Yolanda Soares - “Royal Fado” é um trabalho com alma e tradição portuguesa. É também o oposto. É Real. É verdadeiro. É histórico. É transversal. É Amaliano. É um trabalho daqui e do mundo inteiro. É o levar ao mundo o Fado que já lhe pertence.

PR - Para terminar, o que é que o público pode esperar dos seus concertos

Yolanda Soares - O que sempre foram habituados por mim. Um espectáculo com surpresas fora do comum ...(risos).


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