26/01/2008

MARCO MIRANDA | Discurso Directo

M-Pex, editou em finais de 2007 "Phado", um projecto que alia a Guitarra Portuguesa à música electrónica, e que ousa explorar paisagens musicais nunca antes visitadas. Uma experiência arrojada que estabelece um teste aos nossos sentidos, que se atreve a derrubar clichés e que prova que a música tradicional também pode ser moderna, ou vice-versa. O projecto cruza estilos musicais aparentemente inconciliáveis. O resultado não é Fado, nem electrónica, nem apenas a soma dos dois: é algo de indefinível que nasce do casamento da tradição com a inovação. O Portugal Rebelde esteve à conversa com Marco Miranda e revela-lhe agora os segredos do "casamento " da guitarra portuguesa com a electrónica.
Portugal Rebelde - Antes de mais, o que é o projecto M-PeX?
Marco Miranda - M-PeX é um projecto da autoria de Marco Miranda que alia a Guitarra Portuguesa à música electrónica. Trata-se do resultado duma experiência que no fundo funde a magia da guitarra portuguesa com as virtudes do laptop. O "nascimento" de M-PeX remonta aos tempos em que eu tocava regularmente viola de acompanhamento de Fado com o meu avô Luís Tomás Pinheiro - que toca guitarra portuguesa - actuávamos em casas de Fado, restaurantes e festas particulares, dando música a muitos fadistas para cantarem. Num aniversário o meu avô ofereceu-me uma guitarra portuguesa, e a partir daí começou a ensinar-me alguma da sua escola e métodos. Paralelamente, e como resultado dum interesse constante pela produção de música electrónica, nasce o projecto M-PeX, com o intuito de criar ambientes pouco usuais na cena musical nacional, misturando estéticas sonoras tão díspares como o Fado, o Dub e o Drum'n'Bass.
PR - Como é que nasceu a ideia de juntar a guitarra portuguesa e a música electrónica neste "Phado"?
MM - A ideia surgiu naturalmente, numa intersecção quase que inevitável de dois caminhos: por um lado o interesse pela produção de música electrónica e por outro por ter tido a sorte de crescer a ouvir Fado, ouvir diariamente o trinar, o gemer da guitarra portuguesa tocada pelo meu avô e me ter tornado seu aprendiz e executante. Também o mestre Carlos Paredes, um dos grandes guitarristas e símbolo ímpar da nossa cultura portuguesa, foi, é e continuará a ser minha inspiração. A minha identificação com a música de Carlos Paredes é que ele, como qualquer músico genial, tem na sua música aquilo que eu também procuro no disco "Phado", uma espiritualidade que passa às vezes por zonas claras e sombrias, angélicas e infernais, e muito profundas e isso encaixa no meu porquê pessoal. Por outro lado, o despertar e interesse pela produção de música electrónica devem-se ao amigo, também ele no meu entender compositor genial, José Reis. Foi quem me disponizou os primeiros software de produção áudio, samples, bancos de som MIDI e as primeiras "dicas". Crítico e perfeccionista, ouvia as minhas produções e "obrigou-me" a evoluir e explorar vários estilos de música, cultivando a experimentação sonora.
PR - Como "vês" o produto final da combinação da tradição, com a modernidade da música electrónica?
MM - É a concretização dum sonho por mim desejado à muito. Um tributo ao meu avô, à guitarra portuguesa e ao Fado, num esforço de reposicionar a guitarra e transpô-la para paisagens sonoras pouco convencionais no "panorama musical fadístico". Acredito portanto ser possível - e prova disso é "Phado" - que a guitarra portuguesa também se agarre a ritmos mais modernos, se aconchegue, consiga respirar e soltar-se, mas sem nunca fazer perder a sua dimensão, em sentido próprio, familiar, íntimo e nobre. É minha pretensão que este casamento da tradição com a inovação seja perfeito, embrenhando-se por texturas que largam fronteiras e rumam, com a nostalgia portuguesa na bagagem, até paragens tão distantes como a saudade. "Tudo isto é Phado" será portanto a visão do produto final da combinação da tradição, com a modernidade da música electrónica, mas acima de tudo, é o ser e o sentir português de ontem-feito-amanhã.
PR - "Phado" é fruto de um trabalho solitário?
MM - Sim, todos os temas são compostos, produzidos e gravados apenas por mim, em minha casa: as programações do "background" electrónico, as guitarras clássicas e as guitarras portuguesas. A masterização do álbum ficou a cargo de José Reis, as fotografias são de Marco Madruga e Gonçalo Figueiredo e o design é de Marco Madruga. Os meus sinceros e eternos agradecimentos vão para estes amigos, bem como para a editora Thisco e a Fonoteca Municipal de Lisboa, sem todos eles "Phado" não existia. Muito obrigado.
PR - Apresentaste no final de 2007 este disco ao vivo. Como é que o público reagiu à combinação da guitarra portuguesa com a música electrónica?
MM - Penso que público reagiu muito bem, acho que no ínicio estranhou mas depois a sonoridade "entranhou-se". Foi muito interessante observar que quando iniciei o concerto, a sala inteira silenciou-se para ouvir as primeiras notas, os primeiros acordes da guitarra portuguesa, o que comprova que o público estava muito curioso e interessado. Após ter tocado o primeiro tema, fui brindado pelo público, com palmas muito calorosas. E isso encorajou-me e inspirou-me para continuar e dar o meu melhor num concerto que penso ter sido memorável. Quando finalizei o concerto, as palmas foram ainda mais calorosas e houve pessoas sentadas que se levantaram. Algumas vieram até mim para felicitar-me e dar os parabéns. Foi muito gratificante para mim, encorajador e uma prova como o público apreciou e reagiu de forma muito positiva à combinação da guitarra portuguesa com música electrónica.
PR - Em duas palavras, como definirias este "Phado"?
MM - Inovador e tradicional.
PR - A guitarra portuguesa é um instrumento que te apaixona?
MM - Sim, decididamente sim...muito. O poeta José Jorge Letria escreveu "Com quantas cordas se escreve o destino de uma pátria exausta de mar, à beira das lágrimas? Com quantas cordas se ilumina a noite, se multiplica o mistério, se desfaz o assombro?". Atrevo-me a afirmar que se a inefável alma portuguesa encontrou em algum lado maneira de se comunicar, então foi nas notas da guitarra portuguesa que não falam de nada que possa ser dito, mas que nascem directamente do coração sintonizado com o canto inaudível do que nós somos como sentimento e vida.

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