04/11/2009

IRENE PIMENTEL | Discurso Directo

O Círculo de Leitores, editou recentemente mais um número da colecção "Fotobiografias Século XX". José Afonso é a figura em destaque nesta Fotobiografia. Com texto de Irene Pimentel e direcção de Joaquim Vieira, esta obra traça a vida e obra do cantor desde o seu nascimento, a 2 de Agosto de 1929 em Aveiro, até à sua morte, a 23 de Fevereiro de 1987, com 57 anos. O Portugal Rebelde, esteve recentemente à conversa com Irene Pimentel, para conhecer a vida e obra do “trovador da inquietação”.
Portugal Rebelde - Sente alguma alegria em especial por ser uma das pessoas responsável por esta Fotobiografia?
Irene Pimentel - Foi um desafio que o director da colecção, Joaquim Vieira, me fez e que tive o enorme prazer de aceitar, embora com alguns receios. É que pela primeira vez iria abordar uma figura com a qual não só tinha empatia como uma enorme simpatia. Por isso, receava cair em subjectivismos que pudessem obscurecer a tendência para a neutralidade (embora sempre inatingível) que deve ser a postura do historiador. Optei assim por dar a palavra a muitas testemunhas, que se tinham cruzado com José Afonso e que sobre ele haviam escrito. Dito isto, evidentemente que estou muito contente por ter participado neste projecto, que permite referir de novo essa enorme personagem da nossa história recente.
PR - Sei que teve a oportunidade de conhecer e conviver com José Afonso. Que "retrato" faz do homem e do músico?
IP - É difícil em poucas palavras descrever quer o homem, quer o músico, dada a diversidade de aspectos que cada ma dessas componentes insere. Embora não o tenha conhecido muito de perto, do homem recordo a solidariedade, o trabalho incessante, mas também a extrema modéstia mesclada de insegurança. Era alguém que transmitia afecto e a quem apetecia responder com afecto redobrado. Mas isso é o que fica na memória, que como se sabe, ficciona muitas vezes a realidade. Do cantor, compositor e músico, recordo a riqueza, os ritmos, a universalidade, a criatividade, a diversidade, o non sense misturado com a análise da realidade e… aquela voz maravilhosa! Felizmente, a obra dele está acessível e cada dia revela mais a sua riqueza. Cada dia, descubro nas suas canções novos aspectos consoante o estado de espírito e o contexto em que são ouvidas.
PR - "A música é comprometida quando o músico, como o cidadão, é um homem comprometido". Foi este o "caminho" que José Afonso nunca deixou de trilhar?
IP - Essa frase é do próprio José Afonso, ao analisar não só a sua postura como a defender o que achava que devia ser a sua postura de homem comprometido. Com isso ele afastava a canção panfletária, de linguagem primária. Segundo penso, a canção para ele era uma criação que devia valer por si como obra artística, que também acabava por ser comprometida, dado o compromisso do cantor/autor.
PR - José Afonso ficará para sempre como um símbolo da Revolução dos Cravos?
IP - Ele próprio por vezes protestou por ser permanentemente solicitado a cantar o Grândola, considerando, embora como enorme alegria e prazer, que de certa forma tinha sido um acaso o facto de essa canção ter servido como senha para o 25 de Abril de 1974. Acho bem que seja um símbolo, no meio de outros, dessa revolução dos cravos, mas José Afonso é muito mais do que isso e tem toda uma história e actuação antes e depois dessa data. Esse foi um momento, embora muito importante, da sua vida muito rica mas, infelizmente, breve.
PR - Que canções de José Afonso, escolhia para a "banda sonora" desta Fotobiografia?
IP - Se me fizer a pergunta daqui uns tempos, talvez até escolha outras, mas no momento, sugiro, entre outras: Balada de Outono, Menino do Bairro Negro, Vampiros, Venham mais Cinco, Traz outra amigo também, Minha Amora Madura, No comboio descendente, A formiga no carreiro, Utopia e todo o disco «Cantigas de Maio».
PR - Sente alguma tristeza pelo o facto de os jovens desconhecerem a obra musical de José Afonso?
IP - Claro que a obra de José Afonso deveria ser sempre mais conhecida, dada a sua diversidade e criatividade. No entanto, penso que ela não ficou enterrada no esquecimento. Todos os anos há mais e diversas interpretações das suas canções, o que revela não só a sua riqueza, como a sua actualidade. José Afonso certamente gostaria de saber que muitos jovens – sua grande preocupação e objecto do seu enorme afecto - músicos e cantores dia a dia se interessam mais pela sua obra.

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei esta entrevista a Irene Pimentel. Entrevistas que já seguem uma linhagem específica do blog Portugal Rebelde. Zeca Afonso também um dos símbolos do nosso país. Nunca é demais lembrá-lo e de referi-lo.
Rui Martins Ferreira, escritor e professor

/>