26/04/2015

AFONSO PAIS | Discurso Direto


"Terra Concreta" é o novíssimo trabalho de Afonso Pais. Um projecto de duos que nasceu a partir da ideia do registo de composições fora de um estúdio ou da habitual sala de espectáculo e, em vez disso, ter integralmente o meio natural como veículo de inspiração e influência: sem geradores, só instrumentos acústicos e gravado nas zonas mais remotas dos nossos Parques Naturais. Na raiz deste projecto está a ideia de um reencontro com um momento há muito perdido, o instante em que a criação musical se torna consequente e indissociada de um meio envolvente específico que é para nós atávico: o natural.

Portugal Rebelde - Antes de mais, como é que nasceu a ideia de levar a música de volta à sua primeira origem, a natureza?

Afonso Pais - Foi acontecendo a partir do momento em que percebi que era possível registar com fidelidade e de forma perceptível a acústica do meio natural, com todos os seus imponderáveis, de uma forma que transpusesse a experiência de lá estar e tocar para o ouvinte. A ideia propriamente dita sempre existiu pela combinação da paixão que sempre houve em mim pela natureza, por um lado, e pela música, por outro. No fundo só descobri que podia ser viável conjugar esses dois lugares que se calhar até são parte um do outro.

PR - Este regresso às origens implicou o inevitável abandono dos espaços fechados e lugares comuns de gravação. Foi inspirador e gratificante gravar este “Terra Concreta” na Mãe Natureza?

AP - Foi inspirador, da mesma forma em que quando vamos para uma viagem construímos uma imagem ou antevisão de como será, que nunca corresponde minimamente ao que eventualmente acontece quando vivenciamos o lugar ao vivo. Quando lá chegamos, a situação real invade-nos e as projecções que fizemos dão lugar à experiência propriamente dita. No final de tudo, mal nos lembramos das projecções que fizemos sobre como iria ser ou acontecer, e assim foi também com "Terra Concreta". Para além do mais, o processo de gravação foi um somar de momentos inesquecíveis no meio natural, os quais ainda por cima podem ser relembrados ouvindo o disco…

PR - Neste disco conta com a “companhia” de Albert Sanz, Luísa Sobral, Beatriz Nunes, Joana Espadinha, Rita Martins e João Firmino. A que se ficou a dever a escolha destes nomes para o acompanharem neste álbum?

AP - Conheço e convivo com todos os convidados do disco, e as colaborações aconteceram só depois da apresentação da ideia a cada um deles. A relação de cada um com a natureza e a capacidade de lidar bem com a imprevisibilidade com que contávamos foram dois factores decisivos para esta escolha, tal como a escolha da canção ajustada a cada um deles e também do local onde cada um viria a gravar: foi uma espécie de escolha a três variáveis. Todos eles souberam do que se tratava, mas o mesmo não posso dizer da experiência de gravação propriamente dita, pois para todos nós os obstáculos e incentivos que encontrámos foram sendo surpreendentes, e tornando o processo um desafio produtivo. Em última análise o resultado final reflecte o somatório de imprevistos que em cada take escolhido tornaram o disco tão particular e conseguido.

PR - Numa frase apenas – ou talvez duas -  como caracterizaria este disco?

AP - Terra Concreta é o triângulo musical formado por mim, autor das composições e algumas letras, os meus convidados e convidadas para os Duos que constam no disco, e o grande mote de inspiração e deste disco: a influência e participação da Natureza nas gravações. É também um registo musical diferente dos outros, onde qualquer pessoa poderá encontrar ou reviver a sua própria relação com memórias emocionais de proximidade à natureza.

PR - Este trabalho, é um sincero reconhecimento de gratidão para com a Terra Mãe?

AP - Não menos do que isso. Mas acima de tudo, uma forma nova de tornar essa gratidão potencialmente útil e desejavelmente contagiante!

PR - Para terminar, depois da edição deste “Terra Concreta”, há intenção de o mostrar nos palcos?

AP - Não tenho a pressão ou expectativa de apresentar o disco acto contínuo no seguimento da edição em CD, ao contrário do que vem sendo apanágio da herança que nos chega de uma pesada indústria musical com tradição de trabalhos de desgaste rápido e de cariz profuso e efémero. Este é um trabalho discográfico, claro, mas não se esgota nas canções que o conduzem nem se revê na venda desenfreada de actuações e CD´s. "Terra Concreta" é um cartão de visita, uma forma de expor a música e criatividade a novas premissas, um registo "on-going", que vou querer continuar sob a forma de novas intervenções na natureza que disponibilizarei on-line ao longo de futuros trabalhos discográficos e do meu percurso, dos quais este CD é um primeiro marco e representação física de viabilidade e bom presságio. Tenho no entanto o desejo de tranquilamente ir encontrando contextos ou iniciativas que possam acolher sem compromissos para nenhuma das partes esta forma tão completa e completamente simples de trazer a natureza e a música às pessoas. Como exemplo disto, destaco uma actuação que fiz com este repertório num passado recente: o dia da Biodiversidade, tendo como pano de fundo Lisboa, no Anfiteatro Keil do Amaral em Monsanto. (junto fotografia).


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