Desaparecido há muito tempo dos escaparates das livrarias, "A Arte Eléctrica de Ser Português: 25 Anos de Rock´n Portugal" de António A. Duarte (Livraria Bertrand, 1984) é um portal aberto para duas dimensões de realidade portuguesa, em simultâneo. Em primeiro lugar para as décadas de 60 e 70, sobre as quais se debruça, maioritariamente, o autor, ao percorrer a ascenção e queda de vários conjuntos (termo entretanto caído em desuso); em segundo lugar para a década de 80, época em que o livro foi escrito, bem marcada na longa introdução de Jorge Lima Barreto e no tom geral da escrita de António Duarte.
O autor deixa claro, desde logo, que se trata de um trabalho jornalístico e não literário, assente na (pouca) informação disponível na imprensa portuguesa sobre esses conjuntos e esses anos e, de resto, em entrevistas que ele próprio realizou com alguns dos nomes focados no livro, nomeadamente José Cid. A outra coisa que o autor deixa clara é a opinião vincada de que pouco de real valor aconteceu no rock português.
Essa opinião é veiculada vezes sem conta a propósito de muitos dos músicos e conjuntos sobre os quais escreve, o que confere ao livro um tom que julgamos ser quase impossível de adoptar hoje em dia. E logo na introdução, Lima Barreto surge muito vocal em oposição a um sistema social e a um mercado da música que considera em nada servirem a criatividade, privilegiando a popularidade e a mediocridade.
Mesmo salvaguardando a devida distância (conhecendo minimamente Jorge Lima Barreto), não deixa de impressionar como, ao longo de anos de convivência com esse sistema e esse mercado, sentimos certa afinidade com essa posição.
O país sempre foi pequeno, ainda é, e se agora o olhar sobre o estrangeiro já passa por menos subserviente, tempos houve em que nos menosprezávamos sem piedade por comparação ao que se fazia lá fora (exemplo semi-patético: as roupas dos elementos do grupo Objectivo, que a própria editora, na promoção para imprensa, fazia crer que estavam muito à frente no panorama português porque eram “à Carnaby Street”.
As novidades de Inglaterra definiam, desde os Shadows e os Beatles, quais as reproduções que iríamos fabricar por cá. Até bem dentro dos anos 80. Uma boa cura passa por assumir, primeiro, que se tem um problema.
NB. Hoje recebi pelo correio um exemplar desta obra!
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