"Ócio" ergue-se como um retrato sombrio e poético do tribunal da alma, onde o eu
lírico é julgado pelo seu próprio vazio e estagnação, condenado a carregar o fardo
eterno do ócio sob o olhar trocista do diabo.
O réu é chamado, o sino ecoa, e o diabo sorri. Cada nota, uma sentença, cada
silêncio, um castigo.
Rafael Xavier transforma o vazio em protagonista, convidando o ouvinte a mergulhar
numa reflexão profunda sobre o peso do tempo, a inércia e os demónios internos
que o ócio desperta.
A força de "Ócio" está no diálogo entre letra e imagem. O caçador que vigia do alto
torna-se no sorriso do diabo; as cinco da manhã surgem no nevoeiro que cobre as
falésias; a cela do poeta é o quarto escuro onde o eu lírico canta, fuma e enfrenta o
vazio.
As roldanas, o relógio e o ambiente fechado intensificam a ideia de tempo
suspenso, de repetição e de punição cíclica.
O livro entregue pelo diabo é um dos elementos centrais da narrativa: à primeira
vista, parece trazer revelações ou destino, mas quando o protagonista o folheia
encontra apenas páginas em branco. O diabo não oferece respostas, apenas o
silêncio do vazio, e a sua troça reforça a sensação de impotência e de ironia cruel:
até que ponto somos livres para romper com o nosso próprio vazio?

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