Aconteceu-lhes pela primeira vez. Nunca antes. Quando os Houdini Blues se sentaram para guardar por uns tempos "F de Falso" (2006) na gaveta e começar a inventar-lhe um sucessor, o que tinham pela frente era um campo completamente virgem. Não havia uma única ideia ou esboço do que quer que fosse. E então, concordaram numa direcção: Sul.
O
que se seguiu foi um mergulho para dentro. Desligar os ouvidos do ruído
exterior e perceber os sons latentes e fatais a uma vivência de homens
do Sul.
"Suão" é isso: um disco concebido como consequência de uma
vida rodeada de calor, aridez, cânticos graves e velhos vestidos de
luto. Tudo isto já comporta música. Foi apenas uma questão de extraí-la.
Mas "Suão"
não parte da etnografia ou da museologia ou do pitoresco vendido como
turístico. O Sul aqui é físico e suado, mas também lugar mítico, espaço
para reflexões devedoras do Southern Gothic, de William Faulkner ou de
Flannery O’Connor, inspiradas pela decadência sulista e pelas suas
gentes malditas.
"Suão"
é, para os Houdini Blues, uma cartografia do Sul, com ritmos de
perdição e lamentos de salvação, resquícios africanos, árabes,
sefarditas, ibéricos, com Alentejo e mineiros. É, como evitá-lo?, um
disco a que agrada a coincidência fonética de solidão e sulidão. Mas é
também um disco de festa, desalento e esperança.
Gravado
entre 2007 e 2010, Suão foi produzido e masterizado por Armando
Teixeira, e inclui dois temas com poemas de Guerra Junqueiro – “In Pace
Finis” e “Divino Hugo”. A ilustração e o design são da autoria de
Cristina Dias.
O single de apresentação de "Suão"
nasceu de uma cassete vinda do Egipto. “Pirâmide”, de gestação
pré-Tahrir, é uma música dos dias iguais uns aos outros, dos que se
adivinham antes sequer de começarem, dos que não oferecem variações ou
alternativas.
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