09/04/2013

SAMUEL ÚRIA | Discurso Direto


"A mão pode parecer branda, e ornamentada, mas a unha é afiada." É este o "mote" para "O Grande Medo do Pequeno Mundo" (Valentim de Carvalho, 2013), o álbum que marca o regresso às edições discográficas do mais interessante cantautor do século XXI português. Samuel Úria é hoje o meu convidado em "Discurso Direto".

Portugal Rebelde - É verdade, que “O Grande Medo do Pequeno Mundo” é um disco de palavras duras, ditas de forma doce?

Samuel Úria - Suspeito que sim. A língua portuguesa pode muito bem ser como aquelas mulheres muito bonitas que ficam feias quando se zangam. Fascina-me a beleza da língua, mesmo quando endureço a intenção do discurso (e tal acontece muitas vezes nesse disco), daí que me veja a fazer exactamente isso: apontar o dedo, mas sempre com cara simpática. Dedo apontado e dedo na ferida. Curiosamente até me sinto mais implacável quando faço baladas. A mão pode parecer branda, e ornamentada, mas a unha é afiada.

PR - Sendo tu um homem religioso, este é disco é de alguma forma um “grito” contra o individualismo?

SU - Sim é e, de facto, isso tem tudo que ver com religião. Provavelmente não com as religiões no sentido lato, mas pelo menos com aquela comunitária que pratico, ou subscrevo. Sempre transpus o sentido de comunidade para as minhas canções, seja na temática, seja nos arranjos, seja no facto de me encher de amigos em palco. A tendência do disco é exactamente essa: a virtude do outro, a virtude do grupo e a virtude de não nos acharmos, individualmente, a solução e a proveniência de tudo. O Humanismo, mesmo com todas as coisas válidas que conquistou, modernizou-se como uma bandeira do egocentrismo. Por muito pessimista que isto soe, o egocentrismo é uma espécie de raiz de todos os medos.

PR - ”Forasteiro” e “Eu Seguro” (dueto com Márcia), foram as canções escolhidas para apresentação deste álbum. Estes são os temas que melhor retratam o ”espírito” do disco?

SU - Admito que não. Não é um álbum fácil de apresentar, ou promover, na medida em que seria preciso pedir paciência e atenção às pessoas. Felizmente tem havido muita gente com paciência e atenção, independentemente daquilo que se assume como single. A “Forasteiro” é a canção mais pop do disco, sobretudo porque eu necessitava de um veículo ligeiro para dizer as coisas carregadas a que lá aludo. Só que, apesar de até poder resumir algumas ideias transversais do disco, não é a canção que traduz com mais evidência o que é a sonoridade do álbum. Mas, tendo em conta que era Verão quando saiu, e considerando que tem a duração certa, acabou por ser a opção mais arejada para primeiro single. A “Eu Seguro” é o oposto da “Forasteiro”: poucos acordes, lenta, downbeat, extensa. Está longe de ser a canção ideal para se vender às rádios, principalmente pelos mais de 5 minutos de duração, mas também pelas palavras fortes. Por outro lado é uma canção outonal a sair no Outono e, mais importante que tudo: tem a Márcia - não só isso é um imediato boost de talento, como abre as portas ao entendimento de um disco feito de colaborações.

PR - Há uma razão para a lista de convidados ser extensa e não a mais óbvia?

SU - A razão passa por aí mesmo: extensão e não ser óbvio. Queria que os convidados pudessem espelhar o que devem ser os amigos, ou seja, um grupo extenso de gente que nem sempre é a mais óbvia, ou nem sempre é aquela que é mais igual a nós. Quando se escreve um disco crítico das soluções individualistas era de importância simbólica ter lá amigos. Quanto mais diversos os amigos, quanto mais diversos de nós, mais longe do individualismo ficaria. Não queria a rasteira de chamar malta que clonasse aquilo que eu sou, ou que representasse a música que eu faço, ou que simbolizasse o público que eu tenho. Eu já lá estou, não precisava de convidados que ainda me evidenciassem.

PR - Numa frase apenas - ou duas - como caracterizarias este “O Grande Medo do Pequeno Mundo”?

SU - É fácil, mas paradoxal: “O Grande Medo do Pequeno Mundo” sou eu a afirmar que nunca posso ser só eu.

PR - “O Grande Medo do Pequeno Mundo”, vai ser apresentado no Porto e em Lisboa, nos dias 16 e 24 de Maio respetivamente. Que “surpresas” pode esperar o público para estes concertos?

SU - É claro que vão estar convidados, mas não sei se residirá aí a maior novidade, até porque convidados serão uma coisa expectável na apresentação deste disco. Acho que a capacidade de surpreender o público passará também pela capacidade de eu me surpreender, e dos músicos em palco se surpreenderem. Acredito nessa coisa ideal em que a plateia gosta tanto mais de um concerto quanto os músicos também estão a gostar. Nesse aspecto, apesar de todos os pormenores que serão previamente preparados, levaremos espaço para que as coisas nos fujam, positivamente, do controlo.

PR - Para terminar, qual é o teu maior medo?

SU - Às vezes é o medo de ter medo.


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