20/06/2014

RODRIGO AMADO | Discurso Direto


Nomeado pelo jornalista norte-americano Tom Hull como "rising star" em saxofone tenor, no âmbito da prestigiada DownBeat Critics Poll, Rodrigo Amado junta agora três novas edições à sua já longa discografia. Saxofonista e fotógrafo, Rodrigo Amado teve em 2013 um dos anos mais intensos da sua carreira - celebrou 3 décadas de actividade, realizou uma primeira tournée no Brasil, tocou e gravou com o trompetista Peter Evans, marcou presença no celebrado Ljubljana Jazz Festival, e assinou a sua primeira colaboração com os psych-rockers Black Bombaim. Apesar de tudo isso, 2014 ameaça seriamente ultrapassar todas estas marcas, em relevância, alcance e intensidade. Com data de lançamento simultâneo a nível nacional no passado dia 19 de Maio, Amado entra no primeiro semestre do ano com 3 novos discos. Hoje em "Discurso Direto", é meu convidado Rodrigo Amado.

Portugal Rebelde - “Live In Lisbon”, Teatro Maria Matos, Março de 2013. Que memórias guarda desta “batalha” com o trompetista norte-americano Peter Evans?

Rodrigo Amado - O convite ao Peter Evans foi um "risco calculado", pelo menos era o que eu pensava antes do concerto. O facto de ele ser um virtuoso absoluto no trompete, de ser considerado um dos mais fortes improvisadores em actividade e ter um estilo exuberante e nada discreto, eram motivos para pensar que não iríamos ter uma tarefa fácil no palco do Maria Matos. Mas o Motion Trio está bem rodado e tinha já alguma experiência de colaborações com músicos como o Jeb Bishop ou o Steve Swell, também eles improvisadores de primeiro plano. Quando subimos ao palco fomos apanhados de surpresa. O turbilhão de ideias lançado pelo Peter era avassalador e tudas as suas opções eram inesperadas, verdadeiras "bombas" que o trio tinha depois de integrar, processar e transformar em música criada no momento. Foi incrível. Todos nós concordamos que foi uma experiência que nos mudou para sempre.

PR - Um dos temas de “Live In Lisbon” tem por título “Conflict Is Intimacy”. É verdade que nesse “conflito” Peter Evans, estava a fazer música por oposição?

RA - O título desse tema tem a ver por uma lado com essa componente do inesperado de que já falei, mas também com o facto de que todas as ideias do Peter surgiam por oposição. Quando aquilo que o trio estava a tocar sugeria uma melodia lenta e contínua, o Peter disparava sons que pareciam tiros de pistola, pneus a chiar ou uma chaleira ao lume. Num momento seguinte, quando era sugerido algo com um ritmo forte e bem marcado, o Peter tocava um silvo contínuo, num volume tão baixo que ameaçava "destruir" por completo aquilo que nós fazíamos. E foi assim durante todo o concerto, intensidade máxima, sempre no vermelho, com todas estas linguagens em oposição mas com um objectivo comum; criar música em tempo real. Passar juntos por uma experiência dessa intensidade, trouxe-nos depois um grau de intimidade muito particular com o Peter, como se já o conhecêssemos há anos.

PR - Dois dias depois do concerto do Teatro Maria Matos, grava em estúdio com Peter Evans “The Freedom Principle”. Este segundo “round” era já um risco planeado?

RA - A sessão de estúdio foi já totalmente diferente, principalmente devido a esse grau de intimidade que se tinha instalado no quarteto. A ideia, nessa ocasião, era levar as coisas ainda mais longe, aprofundar as ideias que tinham surgido no concerto, mas recusar qualquer tipo de facilidades ou "receitas" para aquela música. De forma também bastante inesperada, a música que surgiu tinha um carácter totalmente diferente do concerto, mais abstracta e contida, menos imediata mas com bastante mais profundidade. Numa crítica incrível que saiu no site Free Jazz Blog, o Stefan Wood escreveu que o disco é um ponto alto para todos os músicos envolvidos e uma reafirmação que as tradições do jazz não estão mortas mas sim integradas de forma inteligente em novos sons e novas histórias. E é exactamente isso que pretendemos fazer e que nos inspira a continuar.

PR - ”Live In Lisbon”, “The freedom Principle” e “Wire Quartet” foram os 3 discos que acaba de lançar em simultâneo. Esta é assumidamente uma estratégia de choque?

RA - Sim. O meu grande objectivo neste momento passa por entrar definitivamente no circuito de clubes e festivais europeus. Uma luta que tem sido bastante difícil devido à desigualdade de condições que existe entre nós e os músicos do norte da Europa. Cada vez que envio uma nova proposta estou a concorrer com músicos que têm habitualmente apoios para viagem, estadia e, muitas vezes, parte do cachet. Por tudo isso, acredito que a única forma de o conseguir é mesmo através da música. Daí o lançamento simultâneo de 3 discos. O impacto, a nível internacional, tem sido enorme e a estratégia parece estar a resultar.

PR - Emprestou recentemente o seu saxofone ao trio de rock psicadélico-stoner instrumental Black Bombaim. A sua realização musical passa também por estes “combates”?

RA - O meu encontro com os Black Bombaim foi uma das coisas mais entusiasmantes que me aconteceram nos últimos tempos. A minha ligação ao rock alternativo ou a outros estilos fora do jazz é grande e estou sempre aberto a novas aventuras e colaborações. No entanto, nem sempre é fácil encontrar músicos com os quais estabelecemos empatias músicais e pessoais que nos permitam tocar uma música livre e verdadeira, valores que para mim são essenciais. Isso aconteceu com os Black Bombaim, primeiro nas gravações, e mais recentemente em palco. É tudo muito intuitivo e natural. Dia 17 de Julho vamos tocar em Braga, no re-arranque do GNRation, e uns dias depois numa sessão mais informal, no Milhões de Festa, em Barcelos.

PR - 30 Anos depois, qual é o “combate” que ainda lhe falta realizar?

RA - Sinceramente, espero ainda entrar em milhares de "combates", com centenas de músicos que partilhem a minha visão de uma música criativa, livre e altamente pessoal. A minha grande inspiração são músicos como o Marshall Allen, da Sun Ra Arkestra, que vi recentemente em Lisboa. Ele tem 81 anos e toca com uma intensidadade incrível uma música transformadora a que ninguém consegue ficar indiferente. Parecia um miúdo em palco. E há muitos outros - Peter Brotzmann (73), Evan Parker (70), Joe McPhee (75), Sonny Rollins (84)...enfim, não consigo imaginar forma melhor de envelhecer.

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