13/05/2017

ROGÉRIO GODINHO | Discurso Direto


Nascido em Lisboa em 1976, Rogério Godinho iniciou os seus estudos musicais aos 8 anos de idade. Pianista, cantor e compositor, com formação no Hot Clube de Portugal, na Universidade de Évora e no Lemmensinstituut (Bélgica), tem vindo a definir um estilo muito próprio, com a sua música original, harmonicamente rica, e em que é dada muita importância à interpretação das palavras. As suas composições são o reflexo das suas grandes influências - o Fado, o Jazz, a MPB (Música Popular Brasileira) e a música clássica, sendo Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Bernardo Sassetti, Ryuichi Sakamoto, Esbjorn Sevensson, Chico Buarque, Maria Bethânia, Tom Jobim,Caetano Veloso, Puccini, Plácido Domingo, alguns dos artistas que mais o marcaram. Hoje em "Discurso Direto" partimos em "viagem" com Rogério Godinho. 

Portugal Rebelde - O álbum “Eterno Regresso” é muito mais do que um simples conjunto de músicas. É um projecto multi-artístico. Que história nos quer contar nesta “viagem”?

Rogério Godinho - Desde a primeira hora quis criar um disco e um espectáculo que pudesse acrescentar algo às pessoas, que desse tempo e espaço para escutar, reflectir e contemplar. Com esse propósito, quis juntar à música outras artes que sempre me disseram muito: a poesia, a fotografia, o cinema, a pintura e a dança - com o propósito de contar uma história desde a primeira à última música do álbum. Imaginei uma história que pudesse ligar o Fado, o Jazz e a MPB (Música Popular Brasileira) - daí a ligação entre Portugal e Brasil, numa viagem feita por mar, outra das minhas fontes de inspiração. A história fala de alguém que, sentindo "saudades do futuro", daquilo que não viveu, decide mudar de vida e arriscar, rumo ao desconhecido e a um "mundo novo". Partindo de Lisboa, num ambiente nostálgico do Fado, segue de barco rumo ao Rio de Janeiro. Aí depara-se com a mudança que tanto ansiara e com um Brasil que o arrebatara. Passados alguns anos no Brasil, onde, para além do Rio de Janeiro, esteve também em São Paulo, a personagem sentiu, a certa altura, que o “balão de oxigénio” que a mudança lhe tinha dado, começava a esvaziar-se, passando a sentir, no seu intimo, que, provavelmente, a hora do regresso a Portugal e a Lisboa teria chegado. Tomada essa decisão, dá-se o regresso a Lisboa (e ao Fado), pelo mesmo caminho que havia trilhado anteriormente mas mais apaziaguado consigo mesmo, com um sentimento de dever cumprido. Daí o nome "Eterno Regresso", dado que acabou por voltar ao que sempre foi, porque, no fundo, todos “somos o que a memória deixa”.... Esta viagem física é um pretexto para muitas outras viagens interiores, psicológicas, que vão surgindo e que acontecem a todos nós e que, por isso, o público se revê tanto nas músicas e letras de "Eterno Regresso". O disco abre com o poema "Cântico Negro", de José Régio, que funciona como Prólogo do CD, declamado de forma sublime por Pedro Clemente dos Reis, acompanhado por mim ao piano. Este poema diz muito do espírito que tem de reger qualquer mudança genuína - Pensar pela própria cabeça! - " Não sei por onde vou, Não sei para onde vou, Sei que não vou por aí!" O conceito do espectáculo de "Eterno Regresso" consiste em ter, para além dos músicos ao vivo, um vídeo para cada música, seguindo a história. Existe também uma exposição de fotografia que nos acompanha sempre que haja condições para tal, em que cada música tem uma fotografia que lhe corresponde. Não posso deixar de referir a excelência dos outros artistas que colaboraram neste projecto ambicioso e que o tornaram possível. Neste CD estive no piano, na voz e na composição e contei com outros 13 músicos de enorme talento e que escolhi criteriosamente: César Gonçalves (violoncelo), David Ribeiro (guitarra portuguesa), André Ferreira (contrabaixo), André Mota (bateria), Francisco Sales (guitarra eléctrica), Ricardo Toscano (clarinete), Francisco Gaspar (contrabaixo), Daniel Bolito e Pedro Lopes (violinos), Leonor Fleming (viola de arco), Carlos Teixeira (flauta transversal), Tânia Lopes (percussão) e Joana Bolito (oboé) Os vídeos do projecto, que são apresentados nos espectáculos sempre que há condições técnicas para tal, foram realizados por mim próprio e Sérgio Marques, em Portugal, e os brasileiros Mariza Fonseca, Marcella Nunes, Marco Maia e Marília Lino, no Brasil. De entre quem fez parte desses vídeos, tenho a destacar a atriz brasileira Luiza Tiso, o pintor André Mariano, os bailarinos Ana Sofia Leite e Tiago Mourato Coelho e a modelo Cláudia de Matos. Quanto à exposição de fotografia, as imagens são da minha autoria, da Sónia Godinho, Américo Lobato e Mariza Fonseca (fotos do Rio de Janeiro)

PR - Este disco tem Lisboa e o Fado como pontos de partida. Mas há muito mais para descobrir. Quer partilhar com os leitores o que o "levou até ao Brasil"?

RG - Como referi anteriormente, o que me levou a imaginar esta história a ligar Portugal ao Brasil foram as minhas influências em termos musicais. O Fado, e concretamente Amália Rodrigues, sempre fez parte de mim, porque sempre me habituei a ouvir e porque o sinto realmente, tal como a MPB dos grandes compositores e poetas, como Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes entre muitos outros, como a interprete única que é Maria Bethânia. Em tom de brincadeira, às vezes penso que já fui brasileiro numa outra vida, dada a identificação que tenho com esta música. Para mim, música e letra têm de estar em sintonia, tendo a minha ordem de importância. É algo a que dou muita importância na música que oiço e, claro, também nas minhas composições. Pelo menos é o que tento conseguir. E com estes dados de base, compus a minha própria música, com a minha identidade, sendo que o Jazz e a sua harmonia foi o cimento que juntou todas as partes, tornando o resultado final uno.

PR - Numa frase apenas como caracterizarias este “Eterno Regresso”?

RG - É um disco para ouvir, "absorver" as palavras, voltar a ouvir e descobrir mais um pormenor, pois está repleto de pequenos detalhes.

PR - Os singles de lançamento deste disco em Portugal e Brasil foram respetivamente, “Somos o que a memória deixa” e "Cheguei”. Estes são os temas que melhor caracterizam o “espírito” deste “Eterno regresso”?

RG - Na verdade, é sempre muito difícil escolher um ou dois temas de entre os quinze que compõem o disco, porque todos eles são especiais para mim. O "Somos o que a memória deixa" é um Fado que compus e que fecha o CD e o "Cheguei" é um samba que criei simbolizando a chegada da personagem ao Rio de Janeiro, àquela paisagem singular. Este disco tem a particularidade de ser cantado em português de Portugal quando a história decorre no nosso País e com sotaque do português do Brasil quando a história se passa do outro lado do Atlântico. No entanto, há muitos outros temas que poderia destacar, como "A criança que fui" em que musico um poema de Fernando Pessoa, um poeta que muito admiro e do qual já tenho outros poemas musicados; o "João e Maria" de Chico Buarque e Sivuca; o Lisboa Menina e Moça, com um arranjo que oferece una nova roupagem a um fado que todos conhecemos; o "Força Maior", em que conto com o grande guitarrista Francisco Sales, que está a adquirir grande projeção com o seu novo CD; o "Retrato em Branco e Preto", de Tom Jobim e Chico Buarque; o "Third Element", em que dei um grande destaque aos instrumentos de cordas, conferindo uma sonoridade muito clássica ao tema e que tanto me agrada. Enfim, têm de ouvi-los todos para fazerem as vossas próprias escolhas!

PR - Já teve oportunidade de apresentar as canções deste disco. Qual tem sido o “feedback” que tem recebido do público?

RG - O feedback tem sido extremamente positivo, notando eu que a partir de determinada altura, este meu trabalho tem vindo a ser quase que autopromovido, com as pessoas a partilharem os meus videoclips nas redes sociais e dando eu conta da vida própria que as minhas músicas foram adquirindo. É interessante perceber que, mesmo sem agenciamento, que é algo que estou a procurar neste momento, este "Eterno Regresso" já chegou a rádios no Brasil e à Rádio Nacional Española, para além das rádios portuguesas. Como tive a preocupação de ter todo este "Eterno Regresso" traduzido em inglês, a mensagem vai passando mesmo em países cuja Língua não é o Português. Quando editamos um disco, ele deixa de ser só nosso e passa a ser também do público que o escuta, com o seu passado, com as suas experiências de vida, necessariamente diferentes das minhas. Assim cada pessoa integra a mensagem de cada música à luz da sua realidade. É muito gratificante as pessoas dirigirem-se a mim no final dos concertos, nomeadamente em Auditórios, onde há condições para apresentar a totalidade do espectáculo (concerto, projecção de filme e exposição de fotografia), dizendo que entraram na história, que se reviram nela e que se sentiram a viajar durante o concerto. Ou seja, sinto que a minha missão como criador de emoções foi conseguida.




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