A poucos dias de se apresentar na Zona Livre (14 de Outubro), em Vila Real, recebemos hoje em "Discurso Direto", Afonso Dorido, o rosto do projecto Homem em Catarse. "Viagem Interior" é o seu terceiro disco, uma viagem (sonora) física e mental que o levou a percorrer um Portugal que vive sem pressa.
Portugal Rebelde - Antes de mais, como é que surgiu a ideia de dar corpo a esta “Viagem interior”?
Portugal Rebelde - Antes de mais, como é que surgiu a ideia de dar corpo a esta “Viagem interior”?
Afonso Dorido - Surgiu numa roadtrip que fiz ao Alentejo, a Évora. Senti que o interior do país tinha algo especial, e que nunca poderemos dar valor a algo que não conhecemos ou recusamos conhecer. Depois numa segunda viagem à Covilhã que acabou por dar origem a um tema, começou a crescer em mim uma ideia de percorrer o interior na esperança de me inspirar tal como aconteceu com Évora e com a Covilhã. À medida que ia descobrindo o interior, ia compondo... e por fim decidi mesmo encetar várias viagens desde Rio de Onor até às serranias algarvias. O resultado, foi o Viagem Interior.
PR - Catarse, é Segundo Aristóteles, uma purificação das paixões por meio da arte. Foi isto que te levou a olhar para um lado de Portugal muitas vezes na sombra?
Afonso Dorido - Foi a forma de olhar e fazer os outros olharem para o "Portugal na sombra", através daquilo que mais gosto de fazer: escrever música. Desta feita a catarse que sempre me acompanha na composição aliou-se a um disco com um conceito bem definido e costumo dizer que viajei pelo meu interior no interior de Portugal. Obviamente que com o passar do tempo me foi apercebendo que a desertificação e o abandono do interior é um problema social de dimensões que ultrapassam gerações, sendo que o primeiro passo para fazer algo é intervir, no meu caso artisticamente puxando a consciencialização.
PR - Como é foi o processo criativo das 17 canções que compõem este disco?
Afonso Dorido - Na confrontação com os locais e com o consequente eco que provocaram em meu interior. Normalmente surgiram de uma espécie de fotografia que ficou gravada em e mim e a partir da qual crio primeiramente uma melodia. Depois é difícil descrever... nunca sabemos o que nos vai sair. A criação detém essa magia, de não saber como aconteceu...
PR - Em “Bragança” cantas: “Os Lobos de Rio de Onor não se ouvem em Lisboa”. Esta Viagem Interior”, é o Portugal que vive sem correr mas também sem que o ouçam?
Afonso Dorido - É. De facto é o Portugal que se deixa ir. Que se acomoda. Que se habituou a ser pequeno. E isso... é grave. Por outro lado parece não ser estimulado e todas as vozes que possam lutar contra a estagnação são sempre ignoradas por um dito poder central. As pessoas ao invés de ficar, cuidar, captar, vão... e não voltam. O interior não pode ser uma passagem. O interior é a realidade, é presente e tem de deixar de ser olhado com a nostalgia do passado. O futuro está contido em todos nós, e as pessoas do interior também o têm. Certamente que falando mais alto será mais difícil o centralismo não ouvir.
PR - Que memórias guardas da tua passagem pela Régua?
Afonso Dorido - O Douro. O ar. As pontes. Um passeio junto ao rio, a Régua tem de fazer parte do catálogo de hedonismo em Portugal . Visualmente muito forte com uma ambiência única no mundo. Uma varanda aberta ao céu. É daqueles locais que nos abraça e impressiona logo que chegamos. É principalmente essa memória que guardo, uma varanda aberta ao céu sempre junto ao Douro.
PR - Para terminar, depois da edição deste disco, há intenções de levar as canções de “Viagem interior” a alguns dos locais que visitaste?
Afonso Dorido - Há intenções sim. Há intenções de a levar a todos os locais que fazem parte da Viagem Interior. O Peso da Régua é um desses locais. Anseio por fazer ecoar os delays, reverbs e poesia junto ao Douro, numa espécie da efectivação da catarse. Levar o resultado do que senti aos locais onde me inspirei.
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