Foto: André C. Macedo
Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado Vítor Hugo Ribeiro aka L Pertués. “Crónicas De Um Pássaro Antes De Partir” é o seu primeiro disco a solo, uma espécie de diário em forma de disco. Da partida à chegada, passando pela expectativa do regresso, o disco vai-se desenrolando a partir de pequenos acontecimentos diários e visões que encontra na multidão ou em momentos de solidão.
Portugal Rebelde - Antes de mais quem é este L Pertués?
L Pertués - Há cerca de dez anos comecei a colaborar como percussionista com o grupo de gaiteiros A Trouxa Mouxa e fazíamos muitas recriações históricas em feiras medievais. Numa delas, em Ourique, recriamos a tomada da cidade por D. Afonso Henriques aos mouros e toda aquela cena marcou-me muito. Sempre fui um apaixonado por história e naquele dia alguma coisa despertou cá dentro. Lembro que cheguei ao quarto de hotel nessa noite e rabisquei qualquer coisa sobre o que havia sentido… senti-me mesmo muito orgulhoso da nossa história. A partir desses rabiscos acabei mesmo por fazer uma música com o nome “O Português “, que ainda hoje quando a ouço me faz relembrar aquele maravilhoso fim de semana em Ourique. Daí nasceu a vontade de iniciar um projecto como escritor de canções, intenção essa que foi sendo adiada por uma ou outra razão. Mas o principio é esse: o Português. O Homem. A Língua, que diga-se de passagem que tem sido tão maltratada. L Pertués é a tradução mirandesa para “ O Português “.
PR - Que viagem é esta que percorremos ao longo das 13 canções deste disco?
L Pertués - É uma viagem muito pessoal. Saí de Portugal em 2012 e tive a oportunidade de contactar com pessoas de várias nacionalidades e diferentes culturas, que vinham de todos os cantos do mundo. Isso foi importante para mim e algo de que necessitava, embora não o soubesse. Reconheci-me e identifiquei-me ainda mais durante esse tempo. Foi uma aprendizagem e uma experiência de partilha enorme, reconfortante. Sabia, também, que regressaria mais cedo ou mais tarde. No final de 2014 escrevi a “Crónica”, primeira faixa do disco. As palavras saíram de um jorro e falavam de uma vontade em regressar. Na verdade, não tinha esse sentimento bem definido para mim na altura, muito menos que seria o inicio de um disco. Então parei, escutei-me e decidi voltar. No curto espaço de tempo que precisei para organizar o regresso escrevi “Estranhos Sinais”, e aí tive a sensação de que estava a começar um ciclo novo. O resto do disco acaba por ser escrito já em Portugal onde, felizmente, cheguei com uma vontade rejuvenescida de fazer ouvir a minha música e de lutar por ela. As restantes faixas são fruto das minhas vivências, todas elas comuns a qualquer um dos mortais: da solidão extrema ao refúgio na invisibilidade da multidão, as memórias de juventude que fiz questão de deixar impressas no “ Passada Grande ( na Quelha Das Bruxas ) “, os encontros e desencontros com a luz… a saudade, o amor. Portanto, toda a gente sente e vive sentimentos idênticos todos os dias. O que eu fiz foi passar para o papel tudo o que sentia e dar cor às palavras através da música.
PR - Escreveu na sua página do facebook que «o conceito já há muito tempo que estava desenhado no dedilhar da guitarra e no cantar de palavras fortuitas que vadiavam no alegre silêncio dos espaços mas sobretudo no vigoroso vibrar da pele do adufe, instrumento que destaco pela presença constante em quase todos os temas.» Foi desta forma que começou a compor o álbum “Crónicas de um pássaro antes de partir”?
L Pertués - Sou um repentista quando escrevo. As palavras saem fortuitamente, em catadupa, e raramente corrijo alguma coisa principalmente se estou a escrever sobre o que sinto. O mesmo em relação à música, dou sempre primazia ao primeiro “olhar”. O olhar virginal. Quando este momento me encontrar, eu vou querer estar sempre atento para o contar. Acredito que se deixar para o dia seguinte, a emoção acaba sempre por ser menos intensa e atenta. Por exemplo, no caso do primeiro tema a introdução acabou por aparecer de uma forma engraçada. Como disse há pouco, vivi alguns anos fora do país e comigo viajaram sempre a guitarra, o adufe, um baixo eléctrico e um teclado pequeno. Num domingo dessa vida, estava entediado a ver televisão e comecei a fazer uma percussão com as duas mãos no peito. Achei a cadência interessante, levantei-me para ir registar e o adufe era o instrumento que estava à mão. Gravei uma faixa para não me esquecer da intenção e peguei na viola. E o tema apareceu suportado pelo andamento que o adufe imprimiu. A partir daí, por acaso ou não, o adufe esteve sempre presente em quase todos os temas e tenho por aquele instrumento um carinho muito especial: pela beleza do seu som, pelo contexto do instrumento, versatilidade e por ser tão português.
PR - A propósito da edição deste disco, Soraia Simões escreveu que «ainda se fazem discos, gravados pelos próprios autores, sem agenciamento e sob a chancela, igualmente, de autor.» Está contente com o resultado final deste primeiro álbum?
L Pertués - Estou muito contente apesar de ter noção de que poderia ter explorado mais coisas. Mas isso já é uma reflexão que faço agora. A nível de produção foi um desafio e um prazer enorme aquele porque passei enquanto gravava o disco. Aparecia uma frase, ficava um dia a escrever e a musicar as palavras e só voltava a acordar quando chegava aquele sentimento de vazio, de quem se esvaziou por completo. E depois vinha a ressaca. Este disco foi gravado essencialmente privilegiando o primeiro “take” e quase todo por mim, aproveitando ao máximo o dia da composição para registar tudo quanto a minha imaginação e inspiração ditasse. Sendo assim, e ressalvando que haveria coisas que poderia e gostaria de ter explorado mais, estou muito contente. Cada música reflete nas palavras, na sequência de acordes, na cadência rítmica e nos arranjos, o sentimento que levou cada paisagem a aparecer. Esse foi o método que usei para este disco: gravar durante a composição para que cada nota e cada sílaba estivessem unidas e comprometidas com a emoção.
PR - “Crónicas De Um Pássaro Antes De Partir” foi recentemente apresentado no Teatro de Vila Real. Como é que o público recebeu as canções deste disco?
L Pertués - Inicialmente tive algum receio. Teriamos pouco tempo de ensaio todos juntos e para que o disco soasse como banda, era necessário trabalhar um pouco mais. Mas no final o resultado foi muito satisfatório, a malta empenhou-se e assumiu o projecto. As reacções foram muito boas, as pessoas procuravam-me para me dar os parabéns pelo trabalho e isso deixou-me muito contente. Isso também se deveu à banda que me acompanhou no concerto, todos eles foram incríveis. Devo salientar que todos os músicos que fizeram parte do concerto de apresentação, para além de terem participado de alguma forma no disco, são meus amigos há vários anos. E essa foi das partes mais felizes de subir ao palco para apresentar o “Crónicas”: amizade, intimidade, compromisso e prazer.
PR - Para terminar, numa frase como caracterizaria este disco?
L Pertués - “ Crónicas De Um Pássaro Antes De Partir “ é uma espécie de diário em forma de disco.
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