"Sangue Quente Sangue Frio" é o novo disco de Daniel Catarino, editado pela Capote Música, com apoio da Fundação GDA e da SlowDriver. É um conjunto de canções gravadas pelo cantautor em 7 localidades de norte a sul do país, entre 2013 e 2018. Amanhã as canções de "Sangue Quente Sangue Frio" são apresentadas na Casa da Música, no Porto. Daniel Catarino é hoje meu convidado em "Discurso Direto".
Portugal Rebelde - Que canções são estas, gravadas em 7 localidades de norte a sul do país, entre 2013 e 2018?
Daniel Catarino - São 12 canções que resistiram ao teste do tempo, que rodei bastante ao vivo nos meus concertos acústicos, e que me obrigaram a ter a paciência necessária para recolher todas as participações e instrumentos que elas precisavam. Foi um processo longo e intervalado pelas gravações de “Songs From The Shed” e “Panorama de uma Vida Anormal”, bem como dos discos de estreia de Bicho do Mato e de Cajado.
PR - É na escrita que a coesão e a contemporaneidade deste álbum se materializam?
Daniel Catarino - Trabalhar as letras é, para mim, a parte mais divertida de todo o processo. Sempre gostei muito de escrever, e quando a música surgiu acidentalmente na minha vida, a escrita de canções acabou por encaixar nessa minha paixão. Cresci numa vila do interior alentejano, numa comunidade um pouco isolada, empobrecida e sem voz. Carrego o fardo dessas vidas difíceis na memória, o que acaba por transbordar para as minhas canções. Sinto falta de gente que cante estes assuntos mais dolorosos, e penso muitas vezes no porquê. Talvez a maioria dos artistas surjam em ambientes urbanos, talvez exista um conformismo generalizado, ou até um receio de agitar as águas e de dar opiniões para não alienar o público. De qualquer forma, procuro retratar em poesia esse lado mais cinzento e adicionar-lhe cor através da ironia, ou pegar na alegria do nosso povo e escurecê-la até ao negrume, porque é a olhar para os contrastes que me consigo situar e procurar equilíbrio.
PR - A que se fica a dever a escolha de “Sangue Quente Sangue Frio” para título deste disco?
Daniel Catarino - O título deste álbum ficou definido em 2013, quando escrevi as primeiras duas ou três canções para ele. Mais uma vez, está ligado a este meu fascínio pelo contraste entre dois pólos, e a uma certa obsessão analítica que me leva a escrutinizar todas as perspectivas de uma situação específica. É a procura de balanço entre razão e emoção, entre a luz e a escuridão, e entre os lados A e B do próprio disco.
PR - Celina da Piedade, Manuel Guerra e Luís Pucarinho são alguns dos convidados deste disco. Quer falar-nos um pouco destas participações?
Daniel Catarino - Abordei a produção deste disco de forma diferente de todos os outros que fiz. Tinha por hábito experimentar ideias através dos instrumentos que tinha à mão, mas para este álbum fiz um diagrama com aquilo que queria ouvir em cada canção, e de quem me poderia ajudar a chegar a esse resultado final. Esse processo começou por ser libertador, uma vez que não estava limitado ao que conseguia gravar em casa, mas foi-se tornando algo penoso. Tivemos de conciliar agendas, fazer muitas viagens, enviar e receber muitos ficheiros, e 5 anos passaram num ápice.
Relativamente à escolha dos convidados, para além da sonoridade que procurava, o outro critério foi a amizade. Tenho a sorte de ter amigos muito talentosos e generosos, que contribuiram de forma altruísta para este resultado final.
PR - "Sangue Quente Sangue Frio" será apresentado amanhã Casa da Música (Porto). O que é que o público pode esperar deste concerto?
Daniel Catarino - Estou a apresentar o disco acompanhado pelo Manuel Molarinho no baixo (dos Baleia Baleia Baleia) e pelo Xinês na bateria (dos Awaiting The Vultures). É sobretudo um concerto rock, porque nós assim quisémos e porque o próprio formato power trio é propício a isso. No entanto, tenho um reportório vasto e com algumas canções bastante maleáveis, o que tanto nos permite fazer um concerto mais roqueiro - como nesta tour conjunta com o Fast Eddie Nelson – como apresentar um espectáculo mais transversal em alguns auditórios, como será o caso da Casa da Música.
PR - Para terminar, qual é o tema que melhor caracteriza o “espírito” deste “Sangue Quente Sangue Frio”?
Daniel Catarino - É um disco a solo mas partilhado com muitos amigos, que aborda assuntos sérios com um certo humor, que viaja entre estados opostos da consciência, que não quer manter a mesma toada do início ao fim, que procura o desconhecido que habita entre o medo e o espírito aventureiro. O tema principal será talvez a noção de que o pensamento não se limita a uma bolha de hashtags, que a maior parte da vida é passada na área cinzenta, entre o calor e o frio, entre um pólo e o seu contrário.
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