06/05/2021

DUARTE | Discurso Direto


Duarte acaba de apresentar o álbum "No Lugar Dela". 
Um disco de combate à malícia dos dias. Conceptual e fundamentado num exercício empático. O cantar e o contar do lugar de umas quantas mulheres. O olhar de um homem sobre esses lugares. Porque estar no lugar dela é estar no lugar do outro. Porque estar no lugar dela não é ser ela – o outro. Acreditando que por este movimento podemos ter dias mais leves. Assim como se o remédio dos nossos dias fosse a empatia. Assim como se fundamental fosse a empatia. Com pré-produção de José Mário Branco. Com uma formação musical em trio de fado e quarteto de cordas clássico, tentamos pois, o lugar do outro, ou neste caso, de outras. Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado Duarte.

Portugal Rebelde - O encontro com José Mário Branco foi fundamental para desenhar este “No Lugar Dela”, foi fundamental para ver nascer este disco? 

Duarte - Os “encontros” com o José Mário Branco marcam de modo importante a organização estética e ética de ver a vida e, dentro dela, a música. No caso deste “Lugar”, antes de me encontrar com o Zé Mário, já a obra tinha nascido de um conceito que orientava a escrita das letras e de algumas músicas, já tinha havido uma reflexão que, no meu caso, implicou sempre uma partilha com amigos, cúmplices destes meus processos criativos. O que entreguei ao Zé Mário foi um menino já bastante “reconhecível”, mas a precisar de um trabalho de pré-produção, em que a obra é tratada quer canção a canção, quer as ligações de cada uma com as outras (de que resulta um alinhamento), quer os sentidos literários e musicais que podem dar consistência e sentido à obra. Foi esse material, esse “menino sonhado”, que pus nas mãos do Zé Mário. Toda a pré-produção foi assim feita pela partilha de muitas reflexões “ali”, no momento, e que me fez sentir num “lugar” de privilégio. Infelizmente só foi possível estar com o Zé Mário no que respeitou à fase de pré produção. Desta forma, a relação com o Zé Mário foi fundamental na pré produção, assim como terá sido fundamental a relação com os restantes amigos e elementos (mais ou menos conhecidos e/ou escondidos) que fizeram parte deste lugar em todas as restantes fases de construção do mesmo. 

PR - A abrir o booklet deste disco recupera as seguintes palavras de José Mário: “Não vamos enganar as pessoas e dizer que é um disco de fado só porque gravamos três fados. Não vai ser um disco de fados, embora seja um fadista a cantá-lo.” Este é um álbum para além do Fado? 

Duarte - Não tenho por princípio fazer discos com a ideia destes serem além ou aquém de qualquer coisa. Não sei portanto se este será um álbum para além ou para aquém do fado e isso, a meu ver, não terá sido relevante neste processo de criação do objeto. Contudo, não seríamos intelectual e musicalmente honestos se disséssemos que a matriz musical do disco está no fado quando não está, apesar de andar muito em voga dizer-se que são dos fados coisas que nunca foram deles. O que podemos dizer com seriedade é que esta obra apela a uma diversidade de matrizes - fado, cante, clássica, rock… - que não aparecem enquanto adornos ou efeitos de uma matriz de base, mas sim enquanto parceiros de conversa e nisso - na escuta do que a obra pede - o Zé Mário é genial. Neste disco podemos encontrar melodias de três fados tradicionais. Os restantes oito temas são cantos dessa natureza variada. 

PR - Recentemente no jornal Público, o jornalista Gonçalo Frota, escreveu “No Lugar Dela” é “um disco de combate para cantar as mulheres”. Há alguma canção neste disco que determinou este “combate”? 

Duarte - “No Lugar Dela” poderá ser conceptualizado enquanto disco de combate à malícia dos dias se partirmos da ideia de que essa mesma malícia terá que ver com a tão marcante falta de empatia que vivemos. Todos os temas do disco são um exercício empático ou uma tentativa de chegar ao lugar do outro ou neste caso de outras, sem que tenhamos que ser esse outro ou essas outras. Desta forma, talvez possamos dizer que todos os temas do disco são de combate à falta, uma vez que tentam promover a empatia enquanto conceito fundamental na nossa condição de sermos (e não termos) humanos. 

PR - “ReViraVolta”, foi a canção escolhida para single de apresentação deste disco. Do que é que nos fala este tema? 

Duarte - A ReViraVolta é a canção de uma mulher que canta os dias não se deixando resignar a eles. Uma mulher que se resolve por ela e com ela mesma. Uma canção com laivos de “saias” do Alto Alentejo. Se quisermos, uma canção sobre a importância da liberdade e sobre o também tão importante pensamento crítico para podermos partir por nós mesmos. 

PR - É verdade que nesta fase da vida já não está preocupado em ser mais ou menos fadista? 

Duarte - Ser mais ou menos fadista não tem que ser uma preocupação nem desta, nem de outra fase da vida. Talvez seja uma daquelas situações em que quando somos qualquer coisa, não estamos preocupados em ser essa mesma coisa (ou se assim fosse, não seriamos). Não foi pois uma coisa sentida dessa forma. Nem noutros, nem neste disco. A minha preocupação foi servir um canto e servir o outro, qualquer que seja, da melhor forma possível e essa sim, é a preocupação que creio que tenho vindo a amadurecer.

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