"Tradição e Modernidade, naquele que é o mais feliz encontro entre a guitarra portuguesa e a eletrónica" foi desta forma magnífica que João Miguel Tavares definiu o projeto M-Pex. "iPhado" é o novo resultado da última experiência cientifico-sonora do laboratório M-Pex!" Hoje é meu convidado em "Discurso Direto" Marco Miranda, o rosto deste projeto.
Portugal Rebelde - Desde quando a Guitarra Portuguesa marcou o “destino” da tua vida?
Portugal Rebelde - Desde quando a Guitarra Portuguesa marcou o “destino” da tua vida?
Marco Miranda - A Guitarra Portuguesa na verdade esteve sempre presente na
minha vida, já que cresci a ouvi-la através das mãos do meu avô materno -
marceneiro de profissão, guitarrista profissional de Fado (actuando todos os
fins-de-semana em casas de Fados), e ainda professor particular deste
instrumento. Mas mais tarde, por volta dos 12 anos, é que comecei a ouvir a
Guitarra com outros ouvidos…Daí ter construído a
minha primeira guitarra “eléctrica” aos 12 anos. Na verdade, era um pedaço de
madeira com parafusos nas extremidades e cordas de Guitarra Portuguesa de um
lado ao outro. Depois fiz umas ligações eléctricas com uma bateria, e a
vibração das cordas provocava um som “eléctrico” - muito similar a distorção - que
era ouvido através duma coluna. A “invenção” na altura surpreendeu a minha
familia e quando o meu avô se apercebeu do iniciar do gosto pela música, fez-me
uma Guitarra Clássica, moldando ele próprio a madeira. Aprendi os primeiros
acordes e comecei a ajudá-lo a ensaiar, em casa, para as suas actuações. Ofereceu-me
uma Guitarra Clássica profissional e mais tarde, comecei a acompanhá-lo ao
vivo: o meu avô tocava Guitarra Portuguesa e eu acompanhava à Viola (Guitarra
Clássica). Mais tarde - e após ter começado a ter umas lições de Guitarra
Portuguesa do meu avô - recebi das suas mãos como prenda, a minha primeira
Guitarra Portuguesa.
PR - Todos os samples do EP “iPhado” foram criados num iPod,
usando aplicações gratuitas da AppStore. Como é surgiu este ideia?
MM - A ideia surgiu do facto de ter adquirido um iPod da Apple, na
altura em que ia começar de facto a compor os temas para este novo disco
“iPhado”. Após ter descarregado algumas aplicações áudio gratuitas da AppStore,
e por ter ficado absolutamente fascinado com os sintetizadores, samplers,
instrumentos virtuais e pela qualidade sonora dos sons gerados, pensei «seria
excelente gravar um disco totalmente com estes sons, seria um desafio, vamos lá
então!», «e a Guitarra Portuguesa?...», «seria gravada por cima da electrónica
do iPod!». E assim surgiu a ideia e o desafio. “iPhado” é o resultado!
PR - Numa frase apenas como caracterizarias este “iPhado”?
MM - Guitarra Portuguesa misturada com música criada num iPod: iLike
(“eu” gosto)!
PR A tradição e a inovação, cruzam-se uma vez mais para criar algo
indefinível, mas com o “mundo” lá
dentro. Concordas?
MM - Sim, o “mundo” refere-se à minha experiência de vida pessoal
(a minha infância, o contacto com a música nos primeiros anos de vida através
do meu avô guitarrista de Fado, o conhecimento e a mestria na interpretação da
Guitarra Portuguesa ensinados pelo meu avô e a experiência de tê-lo acompanhado
nas muitas actuações ao vivo em casas de Fados) e musicalmente, engloba toda a
minha motivação, empenho, objectivo e percurso para criar algo novo, que
permitisse a confluência do tradicional da Guitarra Portuguesa e do Fado, com a
inovação da música electrónica – com muitas e diversas referências, influências
e inspirações musicais que caracterizam qualquer músico e a sua música - e dos
mais diversos universos musicais, uma confluência aparentemente inconciliável.
Esse é e será sempre o desafio que motiva o projecto M-PeX. Desta confluência
nasce um “mundo” de novas possibilidades e paisagens musicais nunca antes
visitadas, que circulam à volta da Guitarra Portuguesa, moldam a matéria tímbrica
das cordas e estabelecem novas dinâmicas e sensibilidades. É como se a Guitarra
Portuguesa fosse sujeita a experiências científico-sonoras de laboratório. O CD
“iPhado” é o novo resultado da última experiência cientifico-sonora do
laboratório M-PeX!
PR - Como é que os puristas do Fado vêem a mistura da Guitarra
Portuguesa com a música eletrónica?
MM - Dos tempos que acompanhava o meu avô em casas de Fados,
lembro-me bem das críticas que ouvia aos fadistas e dos projectos musicais que
tentavam «coisas novas» com o Fado, abordagens diferentes, com instrumentos não
tradicionais ou não convencionais. Questionei-me muitas vezes, o porquê das
criticas e porque não inovar a Guitarra Portuguesa e o Fado a explorar novos
caminhos e referênciais musicais? Porquê a rigidez do formato Guitarra
Portuguesa, Voz e Viola? Porque não reposicionar a Guitarra e o Fado noutros
esquemas? Esse foi (e continua a ser!) o meu desafio: reposicionar a Guitarra Portuguesa
no panorama musical, mostrar que não tem de estar só agarrada ao Fado, que se
pode agarrar a ritmos mais modernos e outras sonoridades, mas sem nunca perder
a sua dimensão, em sentido próprio, familiar, íntimo e nobre, criando-se neste
sentido, uma ponte entre o ontem e o hoje, quebrando barreiras e clichés. Poderão
existir muitos puristas do Fado que vão “torcer o nariz” à ideia, mas acho que
se tiverem a mente aberta e não desistirem logo à primeira, vão ver que é
possível conciliar os dois universos, e a experiência disso, é o reconhecimento
que tenho tido de algumas pessoas que não se deixaram convencer à primeira
audição.
PR - Tens apresentado o projeto M-PeX um pouco por todo o país.
Qual tem sido o “feedback” que tens recebido do público?
MM - O “feedback”, as críticas e as referências têm sido muito
positivas! Continuo a ser surpreendido com a boa aceitação e receptividade do
público em geral, e isso para mim é muito, muito gratificante. Sentir e saber
que as pessoas apreciam o meu trabalho, é de facto, a meu ver, o melhor e o
mais importante que um músico pode receber. Ao ser reconhecido e respeitado
pelo meu trabalho, sinto que estou a criar algo novo, que o público aprecia e
que neste sentido, estou a colaborar numa reinvenção, modernização e
globalização da Guitarra Portuguesa e do Fado.
PR - Para terminar, ainda te emocionas quando ouves uma
Guitarra Portuguesa?
MM - Sim, emociono-me e emocionar-me-ei sempre. É um instrumento
magnífico, que possibilita musicalmente passar por zonas claras e sombrias,
angélicas e infernais, e muito profundas, e expressar sensações e sentimentos
únicos, a meu ver. O poeta José Jorge Letria escreveu «Com quantas cordas se
escreve o destino de uma pátria exausta de mar, à beira das lágrimas? Com
quantas cordas se ilumina a noite, se multiplica o mistério, se desfaz o
assombro?». Atrevo-me a afirmar que se a inefável alma portuguesa encontrou
em algum lado maneira de se comunicar, então foi nas notas da Guitarra Portuguesa
que não falam de nada que possa ser dito, mas que nascem directamente do
coração sintonizado com o canto inaudível do que nós somos como Sentimento,
Vida e Portugal (Rebelde!).
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