17/10/2011

M-PEX | Discurso Direto


"Tradição e Modernidade, naquele que é o mais feliz encontro entre a guitarra portuguesa e a eletrónica" foi desta forma magnífica que João Miguel Tavares definiu o projeto M-Pex. "iPhado" é o novo resultado da última experiência cientifico-sonora do laboratório M-Pex!" Hoje é meu convidado em "Discurso Direto" Marco Miranda, o rosto deste projeto.

Portugal Rebelde - Desde quando a Guitarra Portuguesa marcou o “destino” da tua vida?

Marco Miranda - A Guitarra Portuguesa na verdade esteve sempre presente na minha vida, já que cresci a ouvi-la através das mãos do meu avô materno - marceneiro de profissão, guitarrista profissional de Fado (actuando todos os fins-de-semana em casas de Fados), e ainda professor particular deste instrumento. Mas mais tarde, por volta dos 12 anos, é que comecei a ouvir a Guitarra com outros ouvidos…Daí ter construído a minha primeira guitarra “eléctrica” aos 12 anos. Na verdade, era um pedaço de madeira com parafusos nas extremidades e cordas de Guitarra Portuguesa de um lado ao outro. Depois fiz umas ligações eléctricas com uma bateria, e a vibração das cordas provocava um som “eléctrico” - muito similar a distorção - que era ouvido através duma coluna. A “invenção” na altura surpreendeu a minha familia e quando o meu avô se apercebeu do iniciar do gosto pela música, fez-me uma Guitarra Clássica, moldando ele próprio a madeira. Aprendi os primeiros acordes e comecei a ajudá-lo a ensaiar, em casa, para as suas actuações. Ofereceu-me uma Guitarra Clássica profissional e mais tarde, comecei a acompanhá-lo ao vivo: o meu avô tocava Guitarra Portuguesa e eu acompanhava à Viola (Guitarra Clássica). Mais tarde - e após ter começado a ter umas lições de Guitarra Portuguesa do meu avô - recebi das suas mãos como prenda, a minha primeira Guitarra Portuguesa.

PR - Todos os samples do EP “iPhado” foram criados num iPod, usando aplicações gratuitas da AppStore. Como é surgiu este ideia?

MM - A ideia surgiu do facto de ter adquirido um iPod da Apple, na altura em que ia começar de facto a compor os temas para este novo disco “iPhado”. Após ter descarregado algumas aplicações áudio gratuitas da AppStore, e por ter ficado absolutamente fascinado com os sintetizadores, samplers, instrumentos virtuais e pela qualidade sonora dos sons gerados, pensei «seria excelente gravar um disco totalmente com estes sons, seria um desafio, vamos lá então!», «e a Guitarra Portuguesa?...», «seria gravada por cima da electrónica do iPod!». E assim surgiu a ideia e o desafio. “iPhado” é o resultado!

PR - Numa frase apenas como caracterizarias este “iPhado”?

MM - Guitarra Portuguesa misturada com música criada num iPod: iLike (“eu” gosto)!

PR  A tradição e a inovação, cruzam-se uma vez mais para criar algo indefinível, mas  com o “mundo” lá dentro. Concordas?

MM - Sim, o “mundo” refere-se à minha experiência de vida pessoal (a minha infância, o contacto com a música nos primeiros anos de vida através do meu avô guitarrista de Fado, o conhecimento e a mestria na interpretação da Guitarra Portuguesa ensinados pelo meu avô e a experiência de tê-lo acompanhado nas muitas actuações ao vivo em casas de Fados) e musicalmente, engloba toda a minha motivação, empenho, objectivo e percurso para criar algo novo, que permitisse a confluência do tradicional da Guitarra Portuguesa e do Fado, com a inovação da música electrónica – com muitas e diversas referências, influências e inspirações musicais que caracterizam qualquer músico e a sua música - e dos mais diversos universos musicais, uma confluência aparentemente inconciliável. Esse é e será sempre o desafio que motiva o projecto M-PeX. Desta confluência nasce um “mundo” de novas possibilidades e paisagens musicais nunca antes visitadas, que circulam à volta da Guitarra Portuguesa, moldam a matéria tímbrica das cordas e estabelecem novas dinâmicas e sensibilidades. É como se a Guitarra Portuguesa fosse sujeita a experiências científico-sonoras de laboratório. O CD “iPhado” é o novo resultado da última experiência cientifico-sonora do laboratório M-PeX!

PR - Como é que os puristas do Fado vêem a mistura da Guitarra Portuguesa com a música eletrónica?

MM - Dos tempos que acompanhava o meu avô em casas de Fados, lembro-me bem das críticas que ouvia aos fadistas e dos projectos musicais que tentavam «coisas novas» com o Fado, abordagens diferentes, com instrumentos não tradicionais ou não convencionais. Questionei-me muitas vezes, o porquê das criticas e porque não inovar a Guitarra Portuguesa e o Fado a explorar novos caminhos e referênciais musicais? Porquê a rigidez do formato Guitarra Portuguesa, Voz e Viola? Porque não reposicionar a Guitarra e o Fado noutros esquemas? Esse foi (e continua a ser!) o meu desafio: reposicionar a Guitarra Portuguesa no panorama musical, mostrar que não tem de estar só agarrada ao Fado, que se pode agarrar a ritmos mais modernos e outras sonoridades, mas sem nunca perder a sua dimensão, em sentido próprio, familiar, íntimo e nobre, criando-se neste sentido, uma ponte entre o ontem e o hoje, quebrando barreiras e clichés. Poderão existir muitos puristas do Fado que vão “torcer o nariz” à ideia, mas acho que se tiverem a mente aberta e não desistirem logo à primeira, vão ver que é possível conciliar os dois universos, e a experiência disso, é o reconhecimento que tenho tido de algumas pessoas que não se deixaram convencer à primeira audição.

PR - Tens apresentado o projeto M-PeX um pouco por todo o país. Qual tem sido o “feedback” que tens recebido do público?

MM - O “feedback”, as críticas e as referências têm sido muito positivas! Continuo a ser surpreendido com a boa aceitação e receptividade do público em geral, e isso para mim é muito, muito gratificante. Sentir e saber que as pessoas apreciam o meu trabalho, é de facto, a meu ver, o melhor e o mais importante que um músico pode receber. Ao ser reconhecido e respeitado pelo meu trabalho, sinto que estou a criar algo novo, que o público aprecia e que neste sentido, estou a colaborar numa reinvenção, modernização e globalização da Guitarra Portuguesa e do Fado.

PR - Para terminar, ainda te emocionas quando ouves uma Guitarra Portuguesa?

MM - Sim, emociono-me e emocionar-me-ei sempre. É um instrumento magnífico, que possibilita musicalmente passar por zonas claras e sombrias, angélicas e infernais, e muito profundas, e expressar sensações e sentimentos únicos, a meu ver. O poeta José Jorge Letria escreveu «Com quantas cordas se escreve o destino de uma pátria exausta de mar, à beira das lágrimas? Com quantas cordas se ilumina a noite, se multiplica o mistério, se desfaz o assombro?». Atrevo-me a afirmar que se a inefável alma portuguesa encontrou em algum lado maneira de se comunicar, então foi nas notas da Guitarra Portuguesa que não falam de nada que possa ser dito, mas que nascem directamente do coração sintonizado com o canto inaudível do que nós somos como Sentimento, Vida e Portugal (Rebelde!).

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