20/08/2013

CIRCO DAS ATROCIDADES | Discurso Direto


Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado Miguel Reis o "rosto" do projeto Circo das Atrocidades. "No País dos Fugitivos" é 2º capítulo da aventura iniciada em 2011. Segundo Miguel Reis, "No País dos Fugitivos" é "um disco mais arrojado, menos pop, mais experimental e crescidinho... uma colecção de canções de ausência."

Portugal Rebelde - Depois do EP “Na Terra dos Decapitados” (2011), o projecto Circo das Atrocidades lança em 2013 “No País dos Fugitivos”. O que é que une e separa estes dois trabalhos?

Miguel Reis - Bem, antes de mais nada, são os dois tocados pelo mesmo gajo! Mas além disso, três das músicas presentes no primeiro EP foram revistas e regravadas neste disco, que foi mais uma rampa de lançamento para o projecto, ou seja, um início e não um fim. O grande objectivo na altura era começar a tocar e só depois tive de pensar como haveria de tocar as músicas ao vivo. O “No País…” é um disco mais arrojado, menos pop, mais experimental e crescidinho, mas que representa muito melhor o que toco ao vivo. Não direi que é ainda o melhor que consigo fazer, penso que se achasse isso não fazia música, mas a direcção parece-me agora estar muito mais bem definida!

PR - No press release deste disco pode ler-se: ”Fez-se um disco a pensar no presente, mas constata-se que o que se diz tem dimensão que ultrapassa o sufoco que nos é trazido no dia-a-dia noticioso nacional." Que país é este que retratas neste disco?

MR - Essa pergunta tem uma resposta simples: Portugal.

PR - Das 10 canções deste disco, há alguma que te toque em particular. Porquê?

MR - A ter de escolher uma, seria a “Menina Linda”. É a carta fora do baralho do disco (a única que foge um bocado ao lado conceptual do disco), mas ficou tão boa que não podia deixar de a incluir. Foi uma música escrita para a minha mulher, numa altura em que estivemos longe um do outro por um bom bocado, estava eu em Paris. Num dos versos, que começa com “Menina linda fazes aqui tanta falta, tanta falta. E é juíz”, o que vem logo depois é “O estado de embriaguez que tu provocas, ao telefone, quando te ris”. Não me lembro exactamente do que escrevi nesse tempo, mas sei que acabava em Paris! Mas bom, é uma música que tenta descrever o que é isto do amor: um sentimento totalmente anti-macho, que faz um homem de barba rija e voz grossa falar com voz de bebé e tornar-se muito, muito foleirinho. Mas é tremendamente fantástico, é o que faz o mundo girar sem ser uma porcaria total, não é?

PR - Numa frase apenas – ou talvez duas – como caracterizarias o álbum “No País dos Fugitivos”?

MR - Um disco para ouvir com atenção do princípio ao fim, pelo menos uma vez. É uma colecção de canções de ausência.

PR - Depois da edição do álbum, vamos ter oportunidade de ver e ouvir as canções deste disco no palco?

MR - Na Sexta-feira dia 24 de Agosto vou estar a tocar em Lisboa, no bar Elevador Amarelo, na Bica. Para já não tenho mais nada marcado, vivo actualmente em Londres a logística de circular pelo País tem-se tornado um bocado mais complicada. Mas mais datas surgirão em breve!

PR - Para terminar, ainda acreditas que é possível “dar a volta” a este País?

MR - Claro que sim. Portugal é um país fabuloso, tem pessoas com abertura para pensar, inteligência para fazer e, neste momento, a perceber a necessidade de mudar de modelos. Se há um país com capacidade para mudar somos nós, se corrigirmos alguns defeitos. O primeiro é achar que somos sempre piores que a estrangeirada: vivo por enquanto cá fora e, sinceramente, tendo a achar que a única grande vantagem destes gajos é ter mais dinheiro. Ora fazer (ou comprar) coisas boas com muito dinheiro é muito, muito fácil. Fazê-las com pouco é que é difícil. E há bons indicadores que o nosso espírito desenrascado pode ser uma enorme vantagem competitiva, repara: na música, existem obviamente boas novidades estrangeiras (os Django Django e as Savages saltam-me rápido à memória). Mas pessoas como o B Fachada ou os Paus, entre uma série de outros, mostram que nós conseguimos fazer coisas mais interessantes, mais “fora da box” do que estes gajos – afinal, que grande mudança está a acontecer na música dita “internacional”? Nada de especial, comparado com a música em Portugal, que está a saltar para um modelo “Tuga-modernaço”. E com muito menos papel envolvido. O segundo defeito, e esse é mais sistémico, tem a ver com a falta de Educação em Portugal. Isto limita imenso o pensamento crítico, mas parece-me que as ditas gerações Rasca, X, e mais recentemente Á Rasca, resolveram um bocado esse conceito, mas a mudança de gerações ainda não aconteceu e os mais velhos não têm meios de competir, o que cria instabilidade social. Falta que os mais novos percebam que Portugal tem de deixar de ser um país de empregados para ser um País de empregadores. Nisto é que os gajos que estão cá fora são melhores, mas isso está a mudar também. Finalmente, também temos de ultrapassar o medo de pensar de deixar que nos critiquem. Começar a pensar competitivamente e que um gajo bom, que tem de ser motivado financeiramente mas não só, cultiva gajos bons e que isso é uma gigantesca vantagem competitiva e não um custo. Infelizmente, penso que para isso é preciso reformar o país de uma forma um bocado bruta: houve de facto muita gente que andou a dormir muito tempo à sombra de empregos eternos, de amizades duvidosas e de corrupção muito óbvia. A maior parte dos mais novos sentem isto no pêlo. Toda a gente tem de mudar e ceder para todos ficarem a ganhar. Falta encontrar é algum exemplo em quem manda em nós, mas não podemos ficar à espera deles – o caminho é nosso e nós é que temos de o trilhar. Um obrigado ao Portugal Rebelde (e a ti António)! Até já!


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