29/04/2014

CAPICUA | Discurso Direto


Capicua é Ana Matos Fernandes. Uma mulher do Norte, nascida na freguesia de Cedofeita, no Porto. "Sereia Louca" (Edições Valentim de Carvalho, 2014) é o seu mais recente trabalho, um disco de Rap que nos diz coisas estranhas ao ouvido e que tal como as Sereias tem duas metades. Um álbum que fala das mulheres, da água, da morte e dessa coisa estranha que é o passar do tempo e da idade.

Portugal Rebelde - É verdade, que este disco nasceu porque há sereias que gostam de sapatos?

Capicua - Sim! A ideia por trás do disco surgiu num sonho! Sonhei que tinha aberto uma sapataria chamada “Sereia Louca” e só depois de algumas semanas é que me apercebi que afinal esse nome bizarro tinha uma lógica: é que só uma sereia louca vai comprar sapatos, já que as sereias não têm pés! Achei piada à “coisa” e quando me apercebi que, separando o “a” à “sereia”, ficava “serei a louca” achei que tinha de escrever sobre isso... E foi daí que nasceu todo o conceito do novo álbum!

PR - Para além dos “cúmplices” do primeiro disco convidou novos nomes para participarem em “Sereia Louca”. O que é que esperava de cada um?

Capicua - Dos produtores esperava a matéria-prima, ou seja, os fantásticos instrumentais que usei para escrever os meus temas. E das vozes convidadas (M7, Gisela João e Aline Frazão) esperava que dessem o que faltava a cada tema! Da M7 esperava a garra e a atitude de mulher livre que louvamos no tema “Mão Pesada”; da Gisela esperava a sua entrega e intensidade num registo muito singelo (quase de canção de embalar) na recriação do “Menina dos olhos tristes” (de Adriano Correia de Oliveira), transformado em refrão da “Soldadinho”; e da Aline esperava a frescura, a doçura e a voz limpa, que deu às palavras de José Gomes Ferreira na “Lupa”. Todos superaram as minhas expectativas!

PR - No ano passado reescreveu o fado “A Casa da Mariquinhas” para o disco de estreia de Gisela João. Em “Sereia Louca”, é a vez da fadista emprestar a sua voz ao tema “Soldadinho”. Estava tudo pensado ou nem por isso?

Capicua - Nem por isso! A letra da “A Casa da Mariquinhas” surgiu de um convite que a Gisela me fez para reescrever o tema para o seu álbum. Não nos conhecíamos antes e, nesse processo, ficámos amigas. E quando eu estava a fazer o disco, senti a necessidade de ter uma outra voz no refrão da “Soldadinho” e percebi logo que tinha de ser ela. Ninguém como ela tem aquele grave e canta de forma tão intensa, mantendo uma total simplicidade!

PR - A ideia deste “Sereia Louca” encerra e reflete sobre três dos seus temas prediletos: a morte, a passagem do tempo e a condição feminina. Com qual dos temas sente mais dificuldade em lidar?

Capicua - Na minha vida, sinto mais dificuldade em lidar com a morte e com a passagem do tempo. Mas na escrita tudo se transforma em prazer!

PR - “Mão Pesada”, o single de apresentação deste disco conta com a participação de M7. De que é que nos fala este tema?

Capicua - É um tema que parte do mito da “Mulher do Norte”, para louvar todas as mulheres (do Norte ou não) que têm coragem de ser como são. Paira sobre as mulheres uma expectativa de perfeição e um condicionamento comportamental muito estreito e tendemos a não estimular culturalmente a espontaneidade das mulheres! Por isso mesmo, quisemos celebrar a coragem, a liberdade e a diversidade feminina, numa música que fosse fiel a nós, tal como somos: reais!

PR - No segundo CD deste “Sereia Louca”, oferece versões acústicas de músicas de trabalhos anteriores feitas com Mistah Isaac e They´re Heading West. Esta é também uma forma de dar uma nova vida a estas canções?

Capicua - Sim! Estas canções nasceram bem antes do “Sereia Louca”. São temas que nasceram de colaborações com o Mistah Isaac e com os They’re Heading West, para tocar ao vivo. São “segundas vidas” de canções do primeiro álbum de da mixtape “Capicua Goes West”. E como a música tem este poder de nos surpreender sempre, ganhando novas vidas no palco, achei que seria muito interessante imortalizar neste disco essas experiências e encontros.

PR - No ano em que se comemoram os 40 anos da “Revolução dos Cravos”, a cantiga (ainda) é uma arma?

Capicua - Para mim é, de facto! Eu acredito no poder das palavras. Acho que, sobretudo aliadas à música, têm o poder de inspirar, fazer pensar e informar. Têm o poder de questionar a realidade, mudar mentalidades, espalhar mensagens. E para mim, isto de ter o microfone na mão é, sem dúvida, uma responsabilidade que pretendo usar da melhor forma! Até para louvar Abril e relembrar que a Liberdade nunca está completamente conquistada e que é preciso lutar por ela todos os dias!!


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