No ano em que celebram 30 Anos de carreira, recebemos hoje no Portugal Rebelde, os Mão Morta. "Pelo meu relógio são horas de matar" (NorteSul, 2014), o novíssimo disco da banda, é o mote para uma conversa com Adolfo Luxúria Canibal.
Portugal Rebelde - “Pelo Meu Relógio São Horas de Matar”, que disco-rastilho é este com que os Mão Morta rompem o silêncio discográfico de quatro anos?
Adolfo Luxúria Canibal - É o disco que nos apeteceu fazer neste momento. Queríamos explorar novas formas de composição, ver o que acontecia se esticássemos o tempo musical, que peso um tema poderia ganhar se lhe arrastássemos o tempo e o deixássemos muito mais lento. Depois, face aos resultados musicais que íamos conseguindo, tornou-se evidente que a temática teria de andar à volta da nossa realidade concreta, do nosso presente, este quotidiano tão ou mais opressivo que a música pesada que ia saindo das nossas experiências de desaceleração. Depois foi só organizar-lhe o sentido…
PR - “Pelo Meu Relógio São Horas de Matar” mostra o percurso psicológico e social de um homem solitário, confortavelmente instalado na sua indiferença burguesa que, vendo o seu mundo pessoal posto em causa, começa a desenvolver uma consciência social até aí ausente da sua vida. O que pode levar alguém à revolta extrema?
ALC É essa precisamente a pergunta que nos fazemos, que o disco faz – o que poderá levar alguém à revolta? Como é que alguém instalado na vida e com uma existência plácida e apaziguada pode chegar à perturbação mais sanguinária? Tentamos esboçar uma resposta possível e é disso que trata o disco.
PR - Há pouco tempo, José Mário Branco perguntava-se de que serviria escrever canções num momento como o atual. Neste contexto político, económico e social, os Mão Morta sentiram algum desânimo?
ALC - O José Mário Branco acredita, ou acreditou noutros tempos, na capacidade interventiva da música e da canção, na sua componente social e colectiva, e é normal que, face ao homem pós-industrial, à sua alienação e incivilidade extrema, sinta o desperdício do acto de as escrever, que o percepcione como um acto tão injustificado e irrisório quanto o de dar pérolas a porcos. Não sei se é este o sentido desse questionar do José Mário Branco, mas se for tem a sua razão de ser. Quanto aos Mão Morta, nós nunca acreditamos no poder regenerativo da canção ou da música, sempre fizemos música pelo prazer muito egoísta da descoberta e da aprendizagem, da diversão entre nós, em circuito fechado, que, por ser diversão, é também inquietação e questionamento interno, perspectivação da nossa relação com o mundo, auto-análise psicanalítica mas também política e sociológica. Se esta nossa inquietude faz depois sentido para terceiros, tanto melhor – mas nada esperamos, à partida!
PR - Os Mão Morta comemoram três décadas em 2014. Depois do disco, haverá ainda tempo para um documentário e um livro, durante este ano?
ALC - O nosso aniversário não se esgota num dia, prolonga-se entre esse mês de Outubro em que, em dia incerto, decidimos fazer uma banda para o Joaquim Pinto ser baixista e esse 19 de Janeiro em que nos estreamos ao vivo. Foi há 30 anos atrás, entre Outubro de 1984 e Janeiro de 1985, e é esse período de aniversário efectivo que escolhemos para nos apresentarmos ao vivo na nova digressão de aniversário e de apresentação do “Pelo Meu Relógio São Horas de Matar”. Para além disso, nesse período deverá ainda ficar pronto e estrear o documentário que o Rodrigo Areias está a preparar com imagens de arquivo sobre estes 30 anos de Mão Morta e da sua relação com Portugal – estou curioso! Finalmente, se a preguiça não nos inquinar a vontade, talvez surja um livro com o retrato dos Mão Morta na imprensa ao longo destes 30 anos. Mas ainda nada se autonomizou da estrita conceptualização do devaneio…
PR - Em quase trinta anos de carreira, houve algum momento em que sentiram que o “relógio” dos Mão Morta podia parar?
ALC- Nós temos o despertador engatilhado para explodir no momento em que tocarmos em Berlim – há já 30 anos, aliás! Mas no entretanto passamos por alguns momentos de maior desânimo, como é normal, em que as dificuldades nos pareceram maiores do que o engenho para as ultrapassarmos – o pior terá sido algures em 1992, após a edição de “O.D., Rainha do Rock & Crawl”, quando parecia que tínhamos chegado a um beco sem saída e que não interessávamos ninguém, pelo menos o suficiente para conseguirmos ser auto-sustentáveis, apesar de todas as ideias que nos fervilhavam na cabeça e da vontade que tínhamos em pô-las em prática… Acabamos por ser salvos pelo “Mutantes S.21” e pela visão e empenho do Vítor Silva, nosso manager na época, que tudo apostou para nos proporcionar as condições necessárias para o concretizar. Houve outros momentos, de maior ou menor fastio, de indefinições várias, de despiques desgraciosos, mas a única situação em que verdadeiramente o relógio ficou quase sem pilha foi nesse período do início de 1992.
PR - Perante o estado a que o país chegou, que se há-de fazer? Desistir? Parar? Cruzar os braços?
ALC - Ora aí está uma bela pergunta, tão antiga, provavelmente, quanto a origem dos tempos, a que cabe a cada um de nós encontrar-lhe resposta – ou a resposta activa, porque o “não” à renúncia está já implícito na própria questão…
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