“Por Detrás Do Pano”, o primeiro livro em prosa de António Manuel Ribeiro, chegou recentemente às livrarias numa edição Chiado Editora. O Portugal Rebelde esteve à conversa com o músico e revela-lhe agora em "Discurso Direto" algumas das histórias que estão "Por detrás do pano - 35 histórias contadas na rádio & outras confissões."
Portugal Rebelde - De que é que nos falam as 35 histórias contadas na rádio, que agora encontramos no livro “Por detrás do Pano?
António Manuel Ribeiro - A ideia inicial, que a Antena 1 abraçou, passava por revelar histórias de dentro do universo de uma banda rock, os UHF, que esteve na génese do movimento de renovação musical do início da década de 1980 que se designou por rock português. Algumas já tinham sido reveladas, mas, como todos sabemos, com o tempo limam-se arestas e até se deturpam os factos. Depois, quando me propuseram avançar para o livro, decidi acrescentar outras histórias, colocar alguns pontos nos ii e incluir um breviário do universo UHF. É um livro baseado em factos, com muita informação factual (o arquivo dos UHF ajudou muito) e escrito por alguém que viveu os acontecimentos, que esteve lá.
PR - Estas 35 histórias que escreveste para a Antena 1 refletem a relação íntima que sempre tiveste com a rádio. Os UHF sempre tiveram uma relação saudável com a rádio?
AMR - Os UHF sempre privilegiaram a janela da rádio e eu pessoalmente gosto muito de rádio, cheguei a estar na fundação de duas ‘piratas’ aqui no nosso concelho. A aventura destas histórias foi completada pela arte sonora do António Santos, o sonoplasta da Antena 1 com quem trabalhei e que potenciou as minhas palavras. Penso que a rádio hoje podia fazer mais e melhor. Ligar-se à realidade, viver sem medo da palavra português, divulgar as canções que enchem as festas de gente.
PR - Ao longo destes 35 anos também usaste a escrita para intervir politicamente. “Vernáculo”, tema do mais recente trabalho dos UHF é um bom exemplo. A cantiga (ainda) é uma arma?
AMR - A cantiga pode e deve ter a arte do trovador, aquele que não deixa cair em esquecimento algo socialmente importante, seja a incúria política, a solidão, a indiferença, a ganância, a vida estupidificante. Isso complementa o apela à diversão, à dança, ao canto em coro que a canção tem no seu ADN. A cantar nos entendemos e a dançar nos amamos.
PR - “Rock Português – duas canções deram-lhe o nome e o lugar no contexto da música português, “Cavalos de Corrida” e “Chico Fininho” em 1980.” O rock português é o movimento de renovação musical mais importante do pós-25 de Abril?
AMR - É o mais importante e até o único que mexeu com tudo e não deixou pedra sobre pedra. Repara que depois do 25 de Abril de ’74, quando reassumimos a liberdade e a dignidade enquanto sociedade, havia o fado, que era considerado reaccionário (imagine-se as voltas que o mundo dá), uma música ligeira muito formal que vivia – e bem – à conta do festival RTP da canção, com uma pujança que os actuais responsáveis por esse festival insistem em esfarelar, e depois a música de intervenção, que tinha sido muito importante para alertar e consciencializar, que se esquecera de compor coisas novas, tornara-se panfletária, sem inspiração. Faltava à juventude daquele tempo uma linguagem musical que fosse sua e a reflectisse. Acontecemos nós no tempo certo, sabemo-lo hoje, e a explosão aconteceu à escala nacional e industrial – as editoras viram, e bem, que aquela nova música estava a gerar muito dinheiro e ia mudar a disposição da mobília. Como mudou. O hip-hop mais tarde aproximou-se da ‘nossa revolução’ mas mal saiu do gueto. Tem, contudo, uma carga poética muito forte e inovadora.
PR - Quando um concerto dos UHF termina e o público regressa as suas casas, o que é que se “esconde” por detrás do pano?
AMR - Por detrás do nosso pano guarda-se a satisfação que uma nova noite valeu a pena. Que os fãs vieram e outros, menos conhecedores, ficaram apaixonados pelos UHF. Sabemos, depois, por este fenómeno ‘na hora’ das redes sociais, que as pessoas vincam e aplaudem a entrega dos UHF e o valor intemporal das nossas canções – “Cavalos de Corrida” foi editada há 35 anos e é um hino que os miúdos exigem aos pais. Espanta-me que algumas das nossas canções sejam intemporais, sobretudo porque não havia para trás um fenómeno parecido e nós, nos UHF, fazíamos a coisas para um horizonte curto, que durava até ao próximo disco.
“Um dia descobres
Que não vais voltar para trás
E tens uma vocação
E então continuas a escrever
E a subir a um palco” (in, “Por detrás do Pano")
PR - Trinta e cinco anos depois, continuas com estes sentimentos à flor da pele?
AMR - Há um tempo que venho ensinando aos meus companheiros uma verdade saudável: apesar da experiência (muita), apesar das canções (populares e importantes) nunca nada está ganho por antecipação. Respeita o palco, o público e a ti mesmo. Se o fizeres, tudo correrá em harmonia.
E esse mote, que inscrevi na abertura do meu livro, é revelador desta forma de vida: todos os dias escrevo, mas por vezes mando as folhas para o cesto dos papéis porque outras impressões do factor inspiração me hão-de tocar. Hoje sei que é assim. E se não escrevo também não entro em pânico. É apenas um tempo até a luz e a alegria de uma nova canção me tocar. Com os livros e os artigos de opinião é diferente, tem outra disciplina e outro calendário.
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