18/03/2015

PEDRO MESTRE | Discurso Direto


Hoje recebemos no Portugal Rebelde, Pedro Mestre, um dos grandes impulsionadores e embaixadores da música e das tradições do Alentejo. Pioneiro do projeto de salvaguarda do Cante, fundador e ensaiador de corais alentejanos, é um dos principais responsáveis pelo surgimento de novas gerações na música tradicional do Alentejo. Depois da edição de vários trabalhos discográficos com os diversos grupos que integra, passados vinte anos desde que iniciou o seu percurso musical, decide lançar um trabalho em nome próprio, "Campaniça do Despique". 

Portugal Rebelde - “Campaniça do Despique” é um disco em que a tradição e a inovação caminham lado a lado?

Pedro Mestre - Sim, sem dúvida. Depois de várias pesquisas e experiências, a Viola Campaniça e o “Cante a Vozes”, apresentam-se ao lado de outros estilos e instrumentos musicais (piano, flauta, órgão de tubos, guitarra portuguesa, etc.), procurando resgatar sonoridades únicas. Deste modo, pretende-se levar a identidade cultural e a memória coletiva do povo alentejano a atravessar fronteiras. Pois, para que a tradição vigore, é necessário acompanhar a evolução e as exigências dos vários públicos, pois são eles os principais apreciadores do nosso trabalho. A inovação permite apresentar o Cante e a Viola Campaniça em qualquer palco, a par de contextos socioculturais tradicionais, sem nunca perder a sua essência.

PR - Este disco conta com a participação de alguns ilustres convidados: Janita Salomé, António Zambujo, Rui Vaz, Jorge Fernando, Fábia Rebordão, entre outros. Quer falar-nos um pouco deste “encontro” de amigos?

PM - Ao longo da minha vida profissional fui conhecendo vários músicos, que mais tarde se tornaram amigos, e com quem fui trocando experiências, partilhando palcos e participando em alguns trabalhos discográficos. O gosto e a dedicação pela música tradicional, nomeadamente o Cante, esteve na origem desta partilha de conhecimentos e afinidades enriquecendo-me, não só a nível profissional, mas também a nível pessoal e social. Tendo em conta a importância destas pessoas na minha vida, resolvi convidá-las a participar neste meu primeiro disco a solo, o que proporcionou este “encontro de amigos”. Para além disto, é meu desejo continuar a partilhar este trabalho com eles, também, em palco.

PR - O Pedro é reconhecidamente um dos responsáveis pelo surgimento de novas gerações na música tradicional do Alentejo. Continua a haver um grande entusiasmo junto dos mais jovens?

PM - Há cada vez mais jovens a dedicarem-se ao cante, o que me deixa bastante feliz e lisonjeado, pois aquilo em que sempre acreditei, e o trabalho que tenho desenvolvido com as gerações mais novas, começa agora a dar frutos. É a partir dos princípios do século XXI que acontece esta viragem e abertura de “mentalidades”: por um lado, os jovens começaram a despertar o seu interesse pelo Cante; por outro lado, as gerações mais velhas passaram a acreditar que o futuro do Cante poderá ser salvaguardado pela transmissão dos conhecimentos aos mais novos. Neste âmbito, surgiram grupos corais constituídos por crianças e jovens, como é o caso do Grupo Coral de Cante Juvenil de Vila Nova de São Bento. Simultaneamente, os grupos corais já existentes “rejuvenesceram” com a integração de jovens.

PR - Paralelamente ao cante, tem trabalhado na preservação e salvaguarda da viola campaniça, instrumento tradicional do Alentejo. As novas gerações estão empenhadas em aprender a construir e a dedilhar este instrumento?

PM - Sim. A par do “Cante a vozes”, hoje encontra-se gerado um movimento de renascimento e entusiasmo em torno da Viola Campaniça surgindo, assim, jovens tocadores deste instrumento, cantadores, etnomusicólogos e/ou outros interessados em conhecer a viola. São exemplos deste trabalho de preservação e enaltecimento da Viola Campaniça, alguns dos projetos musicais que integro, como: “Grupo Viola Campaniça”, que surgiu em 2000 e que tem procurado dar continuidade ao trabalho feito pelos Mestres; “4quatro Ao Sul”, criado em 2005, e que conta com um trabalho discográfico “Demudado Em Tudo” que foi, recentemente, distinguido com o Prémio José Afonso 2013; “Viola Campaniça e a Cantadeira”; “Campaniça Trio”, concebido em 2012, entre outros. Posso ainda destacar alguns projetos em curso e relacionados com o ensino de Viola Campaniça: “Oficinas de Toque de Viola Campaniça”; “Encontros de Viola de Arame/Encontro de Tocadores de Viola Campaniça”; “Turma de Viola Campaniça de Castro Verde”, composta por alunos da Escola Secundária de Castro Verde; “Turma de Viola Campaniça de Odemira”, entre outros. Para além disto, tem sido evidente o cuidado no que respeita à construção desta viola, já que se tornou num instrumento cada vez mais procurado, quer por músicos profissionais, quer por músicos amadores ou outros. Neste sentido, têm surgido vários construtores que se têm dedicado à elaboração da Viola Campaniça, de entre os quais se destacam: Amílcar Silva, Pedro Mestre, Pedro Caldeira Cabral, Orlando Trindade, Vítor Félix e Mário Estanislau, Daniel Silva, Domingos Machado, João Pessoa ou Luciano Queirós (construtor Brasileiro). Todos eles procuram adaptar e ajustar, na sua arte de construir a viola, técnicas mais inovadoras que ajudem ao aperfeiçoamento das sonoridades da mesma. Este trabalho tem por base investigações desenvolvidas não só em torno das técnicas de construção, como de execução ou afinação. Há, sem dúvida, uma preocupação crescente para a elaboração de um instrumento de excelência.

PR - A viola Campaniça desde sempre acompanhou os cantes de improviso no Alentejo. Continuam a ouvir-se estes cantes de improviso numa taberna alentejana?

PM - Atualmente os “cantes” de improviso surgem de modo organizado e não de forma isolada. As pessoas tendem a juntar-se em determinados momentos e em locais específicos e a espontaneidade do Cante ganha destaque através das apresentações performativas. O Cante exige-se bem cantado e apresentado de forma cuidada onde se denote o respeito pela sua origem. É de salientar que, ainda que seja um Cante organizado, o Cante de improviso não favorece de qualquer tipo de ensaio, tal como estipulam as regras e a tradição.

PR - A elevação do Cante Alentejano a Património Imaterial da Humanidade, é a partir de agora mais um motivo para salvaguardar e transmitir esta tradição a gerações vindouras?

PM - Atualmente, a responsabilidade para quem preserva e promove este legado musical é acrescida. O modo como “se vê” o Cante é outro.Começaram-se a sentir mudanças relativamente ao Cante ainda antes da aprovação da sua candidatura. Desde o momento em que esta começou a ser elaborada, e que se perspetivava que o Cante poderia vir a ser reconhecido como Património Cultural e Imaterial da Humanidade, os órgãos de comunicação social, bem como as redes sociais, passaram a dar-lhe destaque. Surgiram novos grupos corais, projetos musicais, criaram-se grupos de trabalho, promoveram-se eventos, etc. Em suma, o Cante começou a ter relevo e a ser valorizado. Porém, é importante que o Cante se apresente de forma digna e genuína, o que exige um trabalho árduo por parte dos dirigentes e/ou ensaiadores de grupos corais, bem como dos cantadores. Gostaria muito que esta tradição alentejana atraísse cada vez mais jovens e que estes o promovessem de modo autêntico e responsável.

Sem comentários:

/>