O que faz um grupo musical franco-belga, e radicado na Bélgica, que tem como base primordial do seu trabalho a música portuguesa de raiz tradicional, os seus cantautores mais emblemáticos (nomeadamente José Afonso e Sérgio Godinho) ou o fado? Faz o que fazem, porque é deles que se fala aqui, os Com~Tradição: uma música portuguesa, de certeza, mas aberta ao mundo e nela integrando outras sonoridades, do jazz à bossa-nova, da chanson à música árabe e indiana. Uma música que olha para Portugal ao mesmo tempo de perto e de longe, com a proximidade de quem ama o seu povo e as suas gentes mas com o distanciamento crítico que a diáspora pode e deve dar. “Quando o Tempo se Quer Pousar” é o primeiro registo do grupo, um álbum de nova música portuguesa – apesar das suas raízes mais ou menos antigas – que já foi apresentado em Portugal, Bélgica, França e Alemanha e que vai este ano continuar a viajar por vários palcos portugueses e internacionais para provar, mais uma vez, que como dizia Gustav Mahler, “tradição é a transmissão do fogo; não a veneração das cinzas”.
Portugal Rebelde - É verdade que os Fados de Amália Rodrigues, nomeadamente, “Povo que lavas no rio” e “Gaivota” foram o ponto de partida para o projeto Com~Tradiçao?
Rui Salgado - Sim, Numa festa de fim de ano de uma escola onde eu era professor de música e a Nicole de Inglês e Holandês, o Director, reparando que éramos ambos Portugueses, ligados à música mas que não nos conhecíamos propôs-nos preparar algo juntos. O terreno comum entre uma cantora filha de emigrantes portugueses e um contrabaixista de jazz, World Music foi naturalmente o fado. Fado interpretado segundo as nossas vivências, origens...
PR - “Quando o tempo pousar” é o nome do álbum que editaram em 2014 na Bélgica e que agora chega a Portugal. Este é um disco de Fado(s), ou acima de tudo é um trabalho que reflete o olhar de quem está fora de Portugal?
RS - É um disco de canção Portuguesa. Essa canção é composta com três grandes influências: o fado, os cantautores portugueses (Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Jorge Palma...) e a música tradicional mais folclórica. O facto de estarmos longe e de termos um músico belga que banhou mais no folk e na música clássica, dá um contorno diferente ao projecto. O facto de estarmos num eixo onde todas ou quase todas as culturas estão representadas ou de passagem...a Bélgica...faz com que o projecto tenha também tido influências múltiplas como a flauta indiana, a viola de sete cordas usada sobretudo na música tradicional brasileira(samba e choro) onde a própria viola faz o baixo.
PR - Numa frase – ou talvez duas - como caracterizaria este disco de estreia?
RS - Em trio, com experiências, raízes, instrumentos variados, vestimos estas 9 composições e 3 arranjos originais de fados tradicionais de múltiplas cores, múltiplas atmosferas. É Um disco português...nas múltiplas facetas de Portugal...mesmo as que não estão dentro do retângulo.
PR - Para além do Rui e da Nicole com origens no Douro, Com~Tradição conta ainda com a participação de Sébastien Taminiau, um contrabaixista belga. Como é que que um músico belga se apaixona pela música portuguesa?
RS - O Sébastien, que é principalmente violinista, toca comigo noutro projecto folk. O convite foi feito e como ele é um apaixonado e um curioso, começou a ouvir, investigar e, durante dois anos onde animávamos noites de Fado em Saint Gilles, o bairro português de bruxelas, o Sébastien formou a sua linguagem para interpretar a nossa música. Penso que ele não tenta de todo imitar. Nos temas mais ligados ao fado o violino não tenta parecer-se com a guitarra Portuguesa. Penso que essa é a sua força...é um improvisador e um criador.
PR - Por onde passa o futuro próximo dos Com~Tradição?
RS - Os contradição estão a trabalhar em duas frentes: por um lado continuam, e com o apoio da embaixada e do Instituto Camões, a divulgar o seu trabalho e a cultura Portuguesa aqui no centro da Europa. Estamos a trabalhar em idas a outros paises: Luxemburgo, Holanda, França e PALOP’s. Posso dizer que, mesmo não sendo entendida a mensagem, as pessoas aqui são muito sensíveis á musicalidade da nossa língua e da cultura musical Portuguesa. Isso abre-nos portas e temos tocado em festivais de World Music. A nossa outra direcção é dar a conhecer o nosso trabalho em Portugal. Claro que isso é a nossa grande ambição. Queremos que as pessoas do nosso querido país ouçam a nossa música. No ano passado fizemos alguns concertos na região do Douro: Lamego, Gaia, Albergaria, Miranda do Douro. Este ano vamos a Lisboa, Porto e Aveiro.
PR - Tradição é a transmissão do fogo não a veneração das cinzas, dizia Gustav Maher. Este pensamento está sempre presente na música dos Com~Tradição?
RS - Sim. Cem por cento. Eu acho que deve haver alguém que se cupe das cinzas também! Digamos que é interessante ouvir-se daqui a cem anos como é que certas formas de expressão eram na sua origem. Mas as minhas composições e as interpretações do Sébastien e da Nicole estão sempre numa dinâmica de integrar as nossas raízes aos contextos múltiplos que vivemos. Sendo que como digo no “Folclore das raízes”- são as forças motrizes do mais divino ser!
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