"Sem Dor nem Piedade - Fados para uma relação acabada em quatro actos", é este o terceiro trabalho de Duarte, que recentemente chegou às lojas. O Portugal Rebelde esteve à conversa com o fadista, e desvenda-lhe hoje em "Discurso Direto" as histórias e lugares sentidos e de um caminho que ironicamente começa no fim, quando a emoção vive o ontem através do hoje e do amanhã e do dia a seguir.
Portugal Rebelde - No press release de “Sem Dor nem Pieda de”, pode ler-se: ”Quando as principais editoras queriam um trabalho popular, fácil de digerir e de rápido consumo, apresentámos pois um trabalho temático/conceptual sério, pensado no tempo e marcante para a história do fado.” Assumidamente, este disco, é uma fuga ao “mainstream” que se vive no fado atual?
Duarte - Temos fado de maiorias e de minorias?!... Temos um fado actual?!... Gosto de pensar que temos e sempre tivemos fados… e que temos liberdade para neles contarmos ou representarmos os nossos dias. Se partirmos do conceito de “mainstream” enquanto corrente de moda ou estilo ao gosto da maioria, este disco não sendo uma fuga a nada, foi contudo a conceptualização dum objecto artístico fora dessa definição. Não se tentou fugir a nada, não se tentou fazer diferente de nada só por fazer, não se procurou inovar nada só para inovar. Desde a sua génese, só tentámos servir a ideia temática e conceptual do disco, tendo como tela de fundo o universo dos fados tradicionais. Ouvindo agora o disco e tendo já algum feedback relativo às formas de o sentir por algumas pessoas, vai prevalecendo a tal ideia de conceptualização do objecto artístico que talvez não se enquadre nos parâmetros desse tal registo “mainstream”. O disco como um todo numa peça de teatro; um conceito de 4 actos que enquadra uma temática de luto objectal; um grande número de faixas que excedem os tão comerciais cinco minutos; introduções a apontamentos instrumentais longos; a produção e edição independentes do mesmo, são factores que de alguma forma podem sustentar a ideia de que este disco não se enquadra numa matriz, digamos que, maioritária. Mas… Não se procurou fugir a nada. Antes pelo contrário, procurámos enfrentar e enfrentarmo-nos o mais autenticamente possível nas coisas que perdemos. Se isso for contra corrente, que seja. Assumo.
PR - Este “Sem Dor nem Piedade”, é um disco que acima de tudo nos quer fazer pensar?
Duarte - Este “Sem Dor nem Piedade” é a oferta de um espaço onde nos é permitido reinventar aquilo que somos quando nos perdemos. Qualquer coisa como uma tentativa melodramática de promoção do pensamento crítico sobre a nossa condição.Mas, o disco não quer nada… O disco pode servir… São as pessoas que querem ou não querem. São as pessoas que o podem pensar e sentir. Se não for para nos pensarmos e sentirmos, para que nos servirão as coisas que tentamos criar? Acima de tudo, este disco não quer. Acima de tudo, este disco possibilita. Tenta caminhos de procura, pela urgência de reinventarmos o amor, muito ao jeito de Rimbaud.
PR - A sua prática diária enquanto Psicólogo clínico foi importante para compor este “Sem Dor nem Piedade – Fados para uma relação acabada em quatro actos”?
Duarte - Da minha prática clínica advém o privilégio de acolher histórias de vida, bem a como possibilidade de análise dessas mesmas histórias. Da minha prática musical advém o privilégio de pintar, contar e cantar histórias de vida, para depois as oferecer aos outros. São duas lentes diferentes sobre um mesmo fenómeno. São duas lentes que de alguma forma também poderão estar nas coisas que vou tentando construir. A composição do disco não fugiu pois à presença destas duas lentes, mas foi muito mais que isso. Os contributos de Ricardo Pais, Carlos Manuel Proença, José Manuel Neto, Daniel Pinto, Albano Jerónimo, bem como de todos os restantes músicos e artistas que se empenharam neste disco, foram muito mais importantes que a minha prática diária.
PR - Para terminar, num tempo em que (quase) não nos é permitido sentir, este disco é esse tempo que merecemos e precisamos para nos reparar?
Duarte - Acredito que merecemos ser melhores pessoas. Também acredito que para tal, é preciso arranjarmo-nos… física e mentalmente. Tratarmos de nós, nas nossas melhores e nas nossas piores partes. E para tratar, ou para cuidar, é preciso tempo. À pressa ninguém cuida. Podemos fazer de conta, podemos disfarçar, podemos não querer saber… mas o tempo para nos arrumarmos é precioso. É meu desejo que este disco possa de alguma forma contribuir para esse tempo. Para o tempo de sermos e sentirmos em liberdade e criatividade.
Sem comentários:
Enviar um comentário