04/01/2016

LUÍS PUCARINHO | Discurso Direto


“Orgânica Mente Humana” é o novo disco do autor e compositor Luís Pucarinho. Hoje em "Discurso Direto", o músico dá-nos a conhecer  as 13 canções deste disco num "faixa a faixa".

01 - “Introdução”

Foi intencional esta introdução no sentido de dar início a uma viagem musical de reflexão. Ao ouvirmos frases declamadas como; “… escravos das coisas moribundas…” ou “… estragamo-nos para não estragar as coisas…” certamente nos ocorre que vamos ouvir coisas com peso sentimental. Certamente esta introdução nos envolve e prepara a mergulhar numa filosofia poética musicada. O convidado José Lourido para declamar esta introdução é um declamador por natureza, ele vive poesia, ele respira poesia e conhece e admira a minha musica e escrita como ninguém. Sei que aquele sentimento (gravado) é verdadeiro e ele revê-se de facto neste texto e espero que o mesmo aconteça com todos os ouvintes.

02 - “A mesma camisola”

Creio que os temas deste disco falam muito por si através das suas letras. Esta canção descreve um encontro de amigos, escrita na primeira pessoa e é muito simples de entender que se trata de um desabafo comum entre os que se dizem oprimidos laborais. Ao mesmo tempo que reflectimos sobre a nossa vida, enaltecemos o valor da amizade na sua plena função. Para falar de amizade, nada melhor que ter por perto um amigo, por esta razão convidei o Jorge Benvinda (Virgem Suta) por sermos muito amigos de há muitos anos e porque entre os amigos, ele sabe exactamente e revê-se neste sentimento de quem ouve o amigo e lhe dá força e um abraço etc… Também ele ouve os lamentos daqueles que acham que nós enquanto profissionais da música temos muita sorte e temos uma vida regada de prazeres. Pois eu acho que a nossa vida é bem parecida a todas as outras, embora o que aparece à vista dos outros ao verem o espectáculo, seja um momento de curtição e tal, mas por vezes até na parte do espectáculo, temos que parecer estar bem não estando bem e isso não é nada fácil. Só na tour anterior “Na rua amarela” senti do público o respeito pelo momento do espectáculo, sobretudo em outros países. Aquele é um momento único para todos os presentes, um momento de partilha que acrescenta algo mais às pessoas que somos. O mesmo encontramos na amizade que é o que este tema pretende reforçar na nossa vida. Os momentos que partilhamos sem “escudos ou máscaras” são preciosos.

03 - “Ali estavas tu”

Esta é uma das poucas canções das que até aqui escrevi, que parte puramente de uma fantasia. Trata-se de um imaginário que descarta as condições sociais ou posições de vida e sustento como base para o amor. O amor aqui acontece por si. O primeiro nome desta canção foi “valsa dos amantes”. É de facto uma valsa contínua numa explosão de sentidos em movimentos quase eróticos. Uma dança sexual e de suor. Mais uma vez a verdade é trazida ao de cima e posta por cima daquilo que possa distorcer tal realidade, os puros sentidos dos humanos.

04 - “Sobe e desce toda a vida”

Esta canção na sua estética musical foi inspirada numa “tarantella” (dança do sul da itália, um género de transe que se praticava até o suor libertar o veneno da picadela da aranha tarântula, daí chamar-se tarantella). Na nossa passagem por Itália (tour do disco anterior), tentei ao máximo beber aquela cultura, muito parecida à nossa nas questões latinas e suas características e claro, na sua natureza musical também. Não é difícil encontrar no reportório Italiano de tradição as mesmas sequências harmónicas do nosso fado ou musica tradicional. No contexto literário deste tema, mergulhamos numa filosofia de vida do “sobe e desce” financeiro, sentimental, social, enfim, mais uma vez uma verdade humana absoluta, porque também ali na Itália se sentem as mesmas injustiças, as mesmas manobras, ou seja, o nosso sobe e desce que depende sempre de valores supérfluos que embebedam grande parte da humanidade e nos levam ao consumo e defesa de valores que podem estar longe daquilo que somos na verdade enquanto humanos. Talvez por isto mesmo a canção realça (na minha opinião) no seu final uma espécie de resolução a tantas questões; “… pôr uma semente na vida faz colher…”.

05 - “A Tua Felicidade”

Aqui a temática é a imigração, talvez um pouco ainda à imagem de outros tempos mas que podemos certamente tornar intemporal, enquanto o problema persistir. Esta abordagem tenta falar da emigração por necessidade e não por opção (o que já se verifica hoje em muitos casos). É todo um imaginário onde um membro do casal, neste caso o homem, parte procurando uma solução para a felicidade de ambos. Este sentimento que aqui partilho foi escrito na visão de uma mulher, “vesti-me de mulher ”, imaginando o que seria ver o marido partir, ficando a mulher por cá com seus filhos etc. Por esta mesma razão concluí que faria todo o sentido ser uma mulher a cantar esta canção e assim foi, convidei a Mara, uma cantora de um grande potencial na sua voz, que entretanto conhecera na produção de um disco do grupo “Aqui há baile”, que gravei faz 3 anos (por vezes produzo uns discos) mais coisa menos coisa. Após o convite fizemos a revisão dos textos, tipo quem é que canta o quê e passámos à acção. Foi muito feliz esta parceria, pois agora até ouço dizer por alguns ditos entendidos, que é um dos temas mais fortes do disco.

06 - “Perdidos pela estrada”

Este tema, na sua composição partiu dum sentimento curioso. Comecei ao longo dos últimos 5 anos a olhar o público de outra forma. O que as pessoas consomem na música e porquê ? foi esta grande questão que me fez sair da minha zona de conforto, onde as canções eram sobretudo ouvidas por mim e mais meia dúzia que entendiam as complicações da composição que queria abordar e ultrapassar. Sim, foi nesta altura que entendi que o público de massas já mais entenderia aquilo que fazia. Não que queira agradar a toda a gente, mas se sou musico e quero viver da música tenho que entender aqueles para quem faço a música, antes mesmo de que o público me possa vir a ouvir ou entender etc. Percebi que nível intelectual do nosso público é baixo e fiquei desiludido, muito desiludido com o que ia percebendo, a acrescentar todas as manhas deste meio que também é cúmplice desta mesma realidade, se não , o mais responsável. Assim descrevi este sentimento, de quem vê que as pessoas se esquecem de algo precioso, que é o que somos (mais uma vez regressamos a uma absoluta verdade, talvez um pouco escondida em cada um). O que somos enquanto seres únicos, originais (não há ninguém igual) e por isso preciosos. Acho que é isso que é repetidamente desvalorizado em troca por valores que não são a nossa verdade enquanto seres únicos e por isso preciosos. Esta canção pode ser mesmo um alerta nesse sentido do quem somos, quem servimos e porquê ? Não confundamos o “servir” com a partilha. Cada um de nós tem um valor único que devia ser intocável e valorizado em primeiro lugar, por nós próprios.

07 - “A verdade vem”

Esta canção é claramente uma abordagem ao fado, não sendo um fado, o fado é descarado e notório. Por este disco atravessar os ritmos e harmonias das musicas do mundo, especialmente entre a música latina e lusófona, fiz questão que o fado, como nossa referência maior de “world music” nos dias que correm, estivesse presente neste trabalho. Mas quando criei a canção pouco ou nada sabia de fado no que diz respeito às suas condições, moldes, formatos ou mesmo fórmulas. Também pouco sabia na prática da interpretação vocal e abordagens aos textos, o fado é de facto um universo em si. Por estas razões convidei o amigo e fadista Duarte. A cumplicidade da nossa amizade permitiu um estar à vontade com confiança suficiente para dizer o que estava mal ou bem sem que isso criasse algum género de constrangimento. A canção da qual havia apresentado as bases, começava a ganhar forma nas explicações incansáveis e super interessantes, de Duarte acerca do fado. Pegámos então nos acordes e organizámos aquilo até ter um formato aceitável e depois fizemos algumas revisões ao texto para adaptar ao novo formato. Entrar no fado, criando um fado ou uma canção que soa a fado foi uma experiência muito enriquecedora e uma forma muito bonita de abordar uma linguagem que tem tanto de fantástica como de “enorme”. Depois também creio que o texto nos facilitou a vida, é um tema forte que aborda “ a verdade…” como elemento central. É um sentimento que facilmente partilhamos e que por sua vez, será fácil de acolher e essa “verdade” depois facilmente se reflete na canção. “… A verdade vem ao de cima e mostra, a verdade vê e ao de cima há-de vir…”.

08 - “Presos por te conhecer”

O sentimento conseguido para esta canção, provém de Itália, onde conheci uma mulher, dona da casa onde ficámos instalados. Essa mulher é de uma beleza transversal, ninguém ficará indiferente a tal obra prima da natureza, ao conhecer esta pessoa. Falo de uma beleza no seu todo, enquanto ser no seu lado físico e mental e de expressão natural. A sensação que tive e que depois soube que não era o único, foi de que uma pessoa assim teria muitos “ interessados “ `à sua volta para a partilha de vida e do amor. Como não sou uma pessoa de competição e sabia que passados uns dias já ali não estaria, exprimi este sentimento de admiração nesta canção, assumindo que os outros existem, existem todos aqueles que vêm o mesmo e talvez sintam mesmo e que muito provavelmente teriam todos eles mais hipóteses de “conquista”. Não é um sentimento totalmente platónico porque partilhámos alguma intimidade sabendo ambos que não poderíamos passar a barreira da amizade e admiração para nosso próprio bem. O tema aparece neste disco porque para mim é também uma outra forma de assumir a verdade, neste caso dos sentimentos proibidos sem haver dramatismo. Existe a nostalgia de um romance que não aconteceu na sua plenitude e isso também faz parte da vida e é uma verdade em si. É no fundo um romance sem um final feliz, assumido com a mesma naturalidade como se de o contrário se tratasse.

09 - “Até ficar doente”

Continuamos neste tema a abordar os valores do amor. Aqui o amor é destacado na sua fase inicial a que chamamos paixão e a que eu chamo uma espécie de doença porque nesta fase ficamos (pelo menos eu fico) meio alucinado, onde tudo parece perfeito, a pessoa em causa rouba-nos o tempo todo ao pensamento etc. Esta canção resume no fundo mais um dos aspectos talvez mais abordados do amor, mas aqui fiz questão de mostrar o outro lado. Um simples “i love you” nunca me chegou, por sentir que essa é a parte fácil e revela também que mais facilmente escrevo sobre coisas não tão óbvias, mesmo quando se trata de um tema muito escrito, talvez o tema mais explorado por quem escreve e por quem vende, não consigo mesmo ir na corrente e acabo sempre por retratar o lado mais “escuro” porque faz parte também de uma verdade, mesmo que não seja esta a verdade no amor que mais ouvimos cantar ou escrever por aí. É esta característica que fez deste tema um dos escolhidos para este álbum. É tal como vemos nas outras canções, um aspecto vivo do lado humano mais submerso que emergente.

10 - “Quem te salva”

Mais uma vez encontramos uma canção que diz que não estamos sós e que dependemos uns dos outros (animais , plantas etc) enquanto humanos que somos. No entanto vivemos perante a guerra, humanos contra humanos em muitos formatos diferentes, bélicos, sociais, económicos sei lá.... Já nos habituámos à ideia de que concorrer e competir é uma cena que faz parte e que temos que ser os melhores para vingarmos na vida. Até parece que temos todos que ser o Cristiano Ronaldo, ou ficamos a ver navios. Pois para mim a humanidade vai muito além destas competições porque valorizo cada ser pela sua diferença e não pelas suas formulas adquiridas de fácil sustento. Quando pergunto na canção: “… quem te salva …” ?, faço no fundo um apelo pelo respeito e consideração por quem nos rodeia e nos quer bem, no fundo e metaforicamente posso mesmo arriscar dizer que faço um apelo à reflexão sobre o que é mais importante e quem nos rodeia é o mundo , a terra, os seres dos quais dependeremos sempre e que tão mal tratamos por vezes. Trago nesta canção também um sentimento de homenagem àqueles que à sua maneira foram persistentes no seu ser e também heróis por resistirem defendendo valores de humanidade mais racionais e lógicos. Falo daqueles que se sentem parte de um todo e que depois na vida assim se comportam sobretudo direccionados nos valores imateriais.

11 - “Um risco só”

Falo nesta canção de um desenho. A vida num papel e uma caneta. Trata-se da descrição de um desenho real que foi feito sempre numa linha contínua e que resultou numa cara de alguém. Essa linha forma na cara desenhada, expressões que por si reflectem muito sentidos da própria vida. Foi e é para mim a linha da vida cheia de curvas e contra-curvas, traços fortes, traços finos, banco da folha o cinza e preto da caneta. É para mim a vida “num risco só”.

12 - “A tua pessoa”

Mais uma vez os valores do amor trazidos à mesa numa abordagem mais lateral que central. Desta vez elegi uma pessoa, daquelas pessoas perfeitas em tudo à primeira vista. Esta pessoa é também uma mulher que durante quase toda a escrita a descrevo deslumbrante não esquecendo os perfumes e tudo mais que possam completar o ramalhete, ou aquilo a que chamaria a mulher perfeita. O que é certo é que ao longo da vida aprendi uma “máxima” que acho trazer algum sentido: “… a perfeição é inimiga da beleza”. Por esta razão, o texto depois de tanto elogio e descrição de perfeições, quando chega ao refrão diz: “… Fica longe daqui, que fico atrapalhado, contigo em pessoa aqui ao lado…” A tal perfeição cai por terra por não ser essa a beleza essencial, ou a beleza que acho ser de facto a beleza. O que parece nem sempre o é e nem todas as camisolas, por mais belas que sejam, nos servem.

13 - “Varanda de pedra”

Nesta canção começamos por ouvir exactamente o mesmo instrumental da introdução do disco, só que neste caso desenvolve-se a canção de forma mais prolongada e com um outro texto. Este é o texto e instrumental original que partiu do sentimento que obtive para escrever. É mais um aspecto moribundo da humanidade que neste caso aborda a forma como tratamos o futuro. Não somente o nosso futuro enquanto seres com prazo de vida limitados, mas o futuro da humanidade. Eu estava numa varanda “de pedra” a fumar um cigarro e vi passar uma senhora que literalmente puxava uma criança que jamais entenderia a sua pressa. A criança estava a ser puxada e até humilhada por suas palavras por não conseguir andar mais depressa, sem a criança ter culpa de ser mais pequena e de facto, com pernas mais pequenas não conseguiria aquela passada de adulto apressado. São estas pequenas atitudes que somadas constroem os seres e seus traumas e depois vemos o que vemos na humanidade. Mais uma vez a falta de consciência e /ou humanidade não facilitam os nossos dias enquanto seres vivos e também por isto escolhi este, para último tema, para que o disco acabasse no mesmo ambiente em que começou, uma reflexão através das canções sobre o que verdadeiramente importa, aquilo que somos e a consequência das nossas acções.

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