04/05/2016

SAMUEL ÚRIA | Discurso Direto


Samuel Úria tem algo de novo para contar e que nos fará chegar em forma de canções: “Carga de Ombro” é o título do álbum editado a 29 de Abril. Um conjunto de temas uma vez mais ímpar, que confirma a profecia de estarmos perante alguém “meio homem, meio gospel, mãos de fado e pés de roque enrole”. Para muitos será já uma redundância destacar as singularidades na escrita, nas melodias ou até na sua relação com o público, mas a verdade é que “Carga de ombro” é quase uma epifania sobre estas distinções na sua personalidade artística – a distância que Samuel Úria nos faz percorrer entre o “amparo” e a “provocação” é tão tenuemente grande que mais do que nunca nos reveremos no verso da canção que dá título ao disco “põe o teu ombro junto ao meu, carga de ombro é legal”. Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado Samuel Úria.

Portugal Rebelde - “Gigante aperaltado alternativo a aspirar o Pop”. É desta forma que te apresentas neste “Carga de ombro”?

Samuel Úria - Sim, mas de forma autocrítica, não autocrática. Sou uma baby boomer da música alternativa que deixou o underground generalizando-se, e todos esses trejeitos alternativos que me são naturais também se tornam sobranceiros. Sou crítico desta tendência à qual nem sempre escapo: a de fazer música estranha para ser aceite, e não para ser estranhado.

PR - No press release deste disco, Márcia, escreveu que “tem gosto em procurar as palavras (...) cruzando consoantes e terminações de forma astuta, aliterações e demais figuras de estilo para nos confundir.” É mesmo assim?

Samuel Úria - Longe de mim contrariar a Márcia. Mas, sim, é mesmo dessa forma. E não confirmo isto como um grande feito ou uma grande capacidade literária, até pelo contrário. Esta maneira de escrever é mais um vício do que uma virtude. Há jogos de palavras, encriptações e outros recursos estilísticos e simbólicos que eu uso exactamente por estar viciado em ouvi-los e distingui-los, não tanto por me esforçar em trabalhá-los. Ser rígido e elaborado liberta-me, porque convivo muito de perto com as fórmulas, quase ao nível subliminar. Nesse sentido não tenho de andar à procura de liberdades criativas se a rigidez criativa interior já me abre as torneiras da escrita.

PR - Este disco conta com a participação de David Fonseca, Francisca Cortesão (Minta) e Selma Uamusse. Queres falar-nos um pouco deste “encontro”?

Samuel Úria - Ao contrário do que sucedia no meu disco anterior, são participações muito menos partilhadas, o que quase parece um subaproveitamento das pessoas em questão. Não há duetos, por exemplo. Sou um apaixonado pela voz da Xica, que é de uma delicadeza, suavidade e melodiosidade olímpicas, um verdadeiro tesouro nacional, mas ainda assim ela aparece algo escondida nos refrães da canção “Vem Por Mim”. Isto tem uma explicação – eu precisava de um reforço contido, uma voz suave que aumentasse a ansiedade do que estou a dizer, e ao desejarmos ouvir mais da Francisca força-se quase o gesto de mergulho para o âmago da canção. É o deixar migalhinhas de ouro, e não de pão, a indicar o caminho; são pequenas mas preciosas e reluzentes. Com a Selma o caso já é diferente. Não partilha a canção na divisão clássica dum dueto, mas é a solista Gospel numa bridge Gospel duma música assumidamente Gospel. Para além da voz/força-da-natureza que caracteriza a Selma, havia aqui uma afinidade espiritual que tinha o nome Uamusse inscrito ainda a canção não estava completa. Não só um talento insuperável e uma amiga, a Selma é também uma irmã na Fé, e residia nesta última relação o real motivo do convite. Já com o David a história não é particularmente curiosa, mas a participação sim. Quando eu estava a preparar a canção “Repressão” com o Miguel Ferreira (que produz o disco) tínhamos em mente uma bateria que fosse tocada com muita força, com “vontade”. Já não me recordo se foi o Miguel ou o Nélson (Carvalho, que captou e misturou o disco) quem sugeriu o Fonseca para a tarefa. A opção agradou-me logo, não só por gostar do David e da ideia de contar com ele, mas também por esse aliciante de tê-lo numa função pela qual não é mais conhecido.

PR - “Dou-me corda” foi o tema escolhido para single de avanço deste novo disco. De que é que nos fala esta canção?

Samuel Úria - Para já faço notar que este single tem quase todas as características que contrariam um single: é demasiado longo, é repetitivo, não dá para trautear, por aí fora. Mas creio que é forte, e tem uma daquelas agressividades perfurantes - consequentemente chegam a algum lado. Acho que explicar a canção passa por expor por que razão ela foi o primeiro avanço: é um manifesto de dureza de convicções, tanto no som como na mensagem. Basicamente assume que há coisas que escapam do controlo das nossas mãos, das nossas vontades, mas que isso não é um convite a baixar os braços, pelo contrário. Assumir a nossa impotência pode muitas vezes ser o manifesto de tomada de poder mais urgente.

PR - Numa frase como caracterizaria este “Carga de Ombro”?

Samuel Úria - Carga de Ombro é legal (na leitura mais brasileira da coisa).

PR - As canções deste “Carga de ombro” são apresentadas amanhã no palco da Casa da Música, no Porto. O que é que o publico pode esperar deste concerto?

Samuel Úria - Sem pretenciosismos, acho que se pode esperar qualquer coisa especial. Mesmo que retire as minhas canções desta equação, o talento e amizade palpável de quem vai estar em palco comigo a interpretá-las já me garante que ninguém do público sairá defraudado.

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