A cantora algarvia Susana Travassos, vem conquistando nos últimos anos um espaço de prestígio na América Latina, onde conquistou um público seguidor, ganhou admiradores e respeito por parte da imprensa. Durante o período vivido no Brasil, atuou ao lado de músicos como Chico César, Yamandu Costa, Zeca Baleiro, Chico Saraiva, Chico Pinheiro e Toninho Horta. A cantora apresenta agora o terceiro disco “Pássaro Palavra”, o seu primeiro trabalho autoral gravado em Buenos Aires, que conta com composições próprias e canções inéditas de Luísa Sobral, Melody Gardot e Mili Vizcaíno. Susana Travassos é hoje minha convidada em "Discurso Direto".
Portugal Rebelde - Este “Pássaro Palavra” é o reflexo do seu património musical – a América Latina?
Susana Travassos - É verdade que o meu património musical contem em grande medida as influências latino-americanas, mas não só.. Eu comecei com 5 anos a tocar acordeão no Algarve… a sonhar com o corridinho. Antes de qualquer coisa, tenho o meu património cultural como algarvia e vizinha da andaluzia. Talvez essa condição tenha-me dado uma certa pré-disposição para a troca e para o diálogo intercultural. E é daí que começa o voo do Pássaro Palavra. Este disco é precisamente isso, o desafio de integrar as raízes e a aculturação que vivi nos últimos anos na América Latina. Eu diria que o património musical de Pássaro Palavra sé esse espaço fronteiriço ibero-americano.
PR - Este disco fala de afetos, reivindica justiça e igualdade e protesta contra a violência doméstica numa canção pungente de Luísa Sobral. Quer falar-nos um pouco deste “grito” de revolta?
Susana Travassos - Muito se tem falado de amor líquido.. Eu decidi falar de apego, de afectos, que ao contrário de serem uma prisão fazem-nos sonhar mais longe, desejar mais e são os verdadeiros impulsos criativos. São essas âncoras que permitem a viagem. Há uma frase em uma das minhas canções que diz: “Ãncora que por dar o chão no mar, torna possível a viagem do coração” foi a imagem que criei para explicar esta ideia de que para viajar é preciso ter uma âncora generosa, alguém que ama e que não aprisiona. Isso é muito diferente dessa lógica de amor descartável, que muitas vezes é confundido com amor livre. Tem muito mais a ver com as leis do consumo e do capitalismo do que com Liberdade. Já a canção da Luisa Sobral é o outro lado… como uma relação de amor pode tornar-se num lugar de risco para a própria integridade física e psicológica. Retrata a mulher que está nesse situação e não consegue sair dela. Mais do que um grito de revolta é um alerta, é uma chamada de atenção. Muitas mulheres sofrem caladas, não sabem como pedir ajuda. Precisamos de pensar efectivamente este tipo de ajuda e intervenção, sabendo desta realidade. É preciso rever as leis, é preciso perceber o que falha quando estas deveriam ser rigorosamente aplicadas. 12 mulheres assassinadas em 2019…… como é possível?
PR - ”Pássaro Palavra” é um trabalho onde a mulher assume um lugar de destaque. Foi pura coincidência ou nem por isso?
Susana Travassos - Na verdade é uma pena que estejamos a salientar este facto. Deveria ser natural, passar desapercebido um facto como estes… Mas como isso ainda espanta é preciso afirmar sim que as mulheres também são compositoras, que as mulheres também são instrumentistas. Foi sim uma coincidência e por sê-lo deixou-me feliz, pois é prova viva de que as mulheres estão cada vez mais no seu próprio lugar.
PR - É verdade que este “Pássaro Palavra” não está desligado da psicanálise, outra das suas paixões, onde a palavra é o motor da mudança
Susana Travassos - Sim, “Pássaro Palavra” fala da palavra livre, dos afectos, da expressão, da palavra como mediação com o outro e com a própria história, com o próprio eu…
Nesse sentido, ela pode sim ser um instrumento de cura. É também a palavra que permite de certa forma que o inconsciente se revele.
PR - Numa frase como caracterizaria este disco?
Susana Travassos - É um disco contemplativo, que fala de emoções fortes, um pássaro que voa livre mas que regressa sempre a casa.
PR - Para terminar, depois da edição deste trabalho, há intenções de levar as canções deste disco para o palco?
Susana Travassos - Há sim… Já temos agendada uma pequena tournée pela Coreia do Sul em Maio e já estamos a organizar em Setembro pela América Latina. Mas estou com muita expectativa de poder apresentar em muitas salas e festivais de Portugal este projeto.
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