10/07/2019

DELIA FISCHER | Discurso Direto


Cantora, compositora, pianista e diretora musical, Delia Fischer é dona de um currículo invejável. Com mais de 30 anos de carreira, atuou ao lado de importantes artistas brasileiros como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Ed Motta, Marcos Valle e Pretinho da Serrinha. Delia Fischer constrói com esmero os seus álbuns a solo: foi assim com o álbum de estreia “Antonio”, em 1999, “Presente”, de 2010 e com “Saudações, Egberto”, de 2011. No próximo dia 27 de Julho, a cantora apresentará no Festival MIMO em Amarante o recém-lançado álbum “Tempo Mínimo”, onde instiga o público à discussão sobre o valor do tempo nos dias atuais, com canções que remetem à bossa nova e outros ritmos populares do seu país. Delia Fischer é hoje minha convidada em Discurso Direto.

Portugal Rebelde - É verdade, que o disco “Tempo Mínimo” acabado de editar, tem uma visão cronista?

Delia Fischer - Sim, eu diria que as crónicas aparecem em momentos diversos da vida, como na faixa “Ela Furou”, onde narro o desespero tragicómico de estar sem ajuda da acupunturista, que me esqueceu num dia de muita dor. Aparece também nos dias de carnaval, passados solitariamente na praia no “Samba Mínimo” ou na rua da infância, a que retorno, e que me reconhece nos passos da infância, na faixa “Mesmos Sons”. Diria que são crónicas poéticas, pois sempre penso na sonoridade e na musicalidade das palavras cantadas.

PR - Neste disco assina a maioria das letras. Como é que sentiu ao assumir este “papel”?

Delia Fischer - Para mim é um passo construído com muito tempo de maturação. Componho desde criança e passei por anos do exercício da musica instrumental onde o piano sempre esteve à frente do material composto. No entanto sempre li e escrevi poesia muito mais por paixão. Na escola, recebi prémios pelas redações e poemas (apesar de nunca ter me sentido segura para mostrar esse material). Durante muitos anos não via a possibilidade de juntar a letra com o som. Especialmente vindo de um país de gigantes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque e toda a tradição maravilhosa da MPB. Passei a maior parte da minha vida me aprofundando no exercício das diversas formas musicais, e nos meus primeiros álbuns de canções, trouxe grandes parceiros para carregar a palavra. Mas a canção me arrebatou e nasceu de forma totalmente espontânea nessas faixas, onde sons e palavras se casaram imediatamente sem me pedirem licença.

PR - Em Tempo Mínimo” partilha alguns temas com Ed Motta, Marcos Valle e Pretinho da Serrinha. Quer falar-nos um pouco destes duetos?

Delia Fischer - Marcos Valle é para mim um ídolo, não somente como o grande compositor e artista, mas também como ser humano. Ele me aponta sempre uma direção na forma de tratar a música, a carreira, e ainda cuidar-se e manter-se alegre e jovem, apesar dos mais de 70 anos. Marcos é um dos artistas mais joviais que já conheci, sempre em busca do novo em projetos e composições. Foi um grande encontro, como uma homenagem, mas também como inspiração. Pretinho da Serrinha me foi sugerido pelo produtor da faixa “Ela Furou” Rodrigo Tavares que, além de ter produzido, tocou também vários teclados nessa faixa. Rodrigo entendeu que eu queria que essa faixa tivesse humor e que fosse uma mistura forte com o samba e ninguém melhor que o genial Pretinho para trazer o cavaquinho, que fez a música decolar, e ainda cantar, trazendo toda a personalidade do samba. Ed Motta é meu querido amigo e irmão de muitas décadas. Tive a honra de ser sua professora de piano, de ter tocado com ele e de ter feito orquestrações para algumas de suas composições. Ed é um músico fenomenal, que não tem limites para criar nem para cantar. E esse dueto reflete a parceria, a amizade e a enorme afeição. A faixa foi escolhida por ele. “Feliz por um Triz” fala do tempo de uma emoção, da alegria momentânea, do eterno presente, passado no tempo da voz, que leva uma música à frente, e desse amor.

PR - ”Mercado”, single lançado em 2018, foi premiado Best Latin Song e Vox Populi no The Independent Music Awards, em Nova Iorque. De que é que nos fala este tema?

Delia Fischer - Essa música teve seu primeiro registo no meu álbum “Presente” e sempre achei que se mantém muito atual, justamente por falar de compra e venda, não apenas de coisas e objetos, mas dos nosso sonhos, ansiedades e amores. Nosso mundo capitalista de certa forma nos torna todos artigos de compra e venda. Revistas que vendem o sonho de se tornar magra, bela e sensual. O sonho de poder, com essas compras, conseguir conquistar o amor, aquele amor da novela e do sonho romântico. Ao mesmo tempo que faz a critica a quem quer vender tudo isso, até a própria alma. Um mercado de itens muito maiores e profundos nas nossas vidas e que não estão à venda, apesar do comércio nos querer vender essa fórmula de alegria e felicidade. Então regravei essa música, inicialmente como single. O prémio em Nova Iorque me fez perceber que essa música realmente ganhou fôlego e que merecia então entrar, pois está totalmente coerente com o tema do álbum .

PR - No próximo dia 27 de Julho há tempo para apresentar em Portugal, no Festival MIMO Amarante, o seu mais recente disco “Tempo Mínimo”. O que é que o público português pode esperar deste concerto?

Delia Fischer - Quero mostrar toda a alegria e profundidade por trás dessas faixas, que representam na verdade muito da minha trajetória na música, incluindo músicas que cantei nos musicais em que atuei e fiz a direção musical. Estarei ao lado da minha banda dos sonhos com Antonio Fischer -Band (guitarra, teclados, bateria, eletrónicas) e Matias Correa (Chapman stick, voz, percussão vocal). Com eles eu vivo e com eles escolhi fazer o som desse álbum nos palcos. Antonio é meu filho e Matias meu marido.

PR - Para terminar, que memórias guarda de 30 de anos de canções?

Delia Fischer - Acho que o som e a memória dos sons é o que me leva ao novo, então acho que isso é só o começo. Na verdade, o que me move é criar, inventar misturar no filtro dessa memória e gerar novas músicas, ideias e caminhos. Espero pelos próximos 30 anos para ficar cada dia mais ousada criativa e de certa forma jovem, porque a arte segue à frente do nosso passo, sempre à frente do que acontece. Quero que a música que trago comigo desde a infância me leve a caminhos cada dia mais intensos e profundos, contemporâneos e novos!




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