17/10/2019

MOÇOILAS | Discurso Direto


Composto por Inês Rosa, Margarida Guerreiro e Teresa Silva (o terceiro ciclo de uma geração de mulheres/moçoilas), o grupo Moçoilas nasce da vontade de reacender e recuperar os cantos do Sul, mais precisamente da região do Algarve. Esquecidos ou escondidos no tempo e nas profundezas de uma serra repleta de sons, cheiros, cores e saberes únicos, estes cantos fazem parte e representam uma grande parte do nosso património cultural, refletindo a alma e as tradições de uma Serra do Caldeirão, onde o canto sempre foi uma identidade nacional. Reinterpretando muitos dos antigos temas e enriquecendo-os com a sua própria energia, modificando uns, apropriando-se de outros e preparando caminho para novas melodias e novas canções, o grupo Moçoilas está de parabéns, comemorando 25 anos de uma prestigiada e longa carreira, repleta de aventuras, sucessos, experiências e partilha de memórias. E nada melhor do que celebrar esta data com o lançamento de um novo álbum, que dá pelo nome de “Atão, Porque Não?”. Hoje em "Discurso Direto" são minhas convidadas as Moçoilas.

Portugal Rebelde - “Atão porque não? Parte de uma recolha de sons e cantares efetuados nos anos 90 nas localidades de Currais e Cachopo, que descobriram numa cassete no fundo do baú. Qual foi a preocupação maior quando ouviram esta cassete pela primeira vez?

Moçoilas - A preocupação maior foi não perder a cassete (risos). Depois temos sempre o cuidado de ouvir, muitas vezes, cada canção, na sua versão pura, ou seja, na versão que chega até nós (neste caso através de uma cassete). Depois de ouvirmos muitas vezes vamos aprendendo/interiorizando a melodia, o ritmo e a forma como as palavras são ditas, respeitando aqui a fonética desta pronúncia do sul. Posteriormente, à medida que nos vamos familiarizando mais com as canções, vamos arriscando nas harmonias, uma voz para cima, uma voz para baixo…

PR - Este disco marca o regresso do grupo à serra do Caldeirão. Que vivências traz à luz este novo álbum?

Moçoilas - Este disco trás consigo duas turnês em dois invernos diferentes, nos quais regressamos á Serra. Aqui fomos beber das suas raízes, das suas vivências, das suas histórias, reencontramo-nos 10 anos mais tarde com maior maturidade, a vivencia da saudade desse lugar, da surpresa, dos cheiros e das conversas. Daqui surgiram as fotos que ilustram o boocklet deste cd. Trás a vivência do espaço estúdio, sim, porque os outros dois álbuns tinham sido gravados ao vivo. Não um estúdio qualquer, um espaço também ele na Serra do Caldeirão construído com as suas pedras. Gravar em estúdio trás uma nova complexidade de preparação, com novas competências e experiências que bastante nos enriqueceram.

PR - O tradicional e o moderno unem-se neste disco pela voz das Moçoilas?

Moçoilas - Podemos dizer que as Moçoilas sempre tiveram esse cuidado/intenção de estabelecer pontes entre o tradicional e o moderno. Unir, misturar, ligar o que nos chega de outros tempos com o contexto sociocultural atual (que foi mudando ao longo dos 25 anos) é o que, em nosso entender, permite transportar as canções até aos nossos dias, até outros públicos, mantendo-as vivas. Faz-nos sentido a recriação mais que o cantar tal e qual aprendemos. Quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. Neste sentido, as Moçoilas sempre acrescentaram um “ponto” às canções. No caso das letras, vamos acrescentando às histórias antigas, histórias destes tempos, que embora sejam outras muitas vezes são as mesmas (talvez as questões mais existencialistas permaneçam as mesmas). Em termos musicais vamos também acrescentando um ponto, por vezes brincando com o ritmo/métrica das palavras, outras vezes introduzindo, aqui ou ali, linhas melódicas/harmónicas ou finais com uma sonoridade mais jazzísticas, outras vezes “RAPando” versos/canções, outras vezes prolongando os finais de forma improvisada,…

PR - Passados que são 25 anos de carreira, a vontade de reacender e recuperar os cantos do sul, continua bem presente?

Moçoilas - Claro que sim, essa é a alma do grupo. Continuamos a criar momentos onde possam surgir canções novas, histórias de vida, partilhas que são únicas.

PR - No próximo dia 30 de Novembro apresentam este disco no Teatro das Figuras, em Faro. Que “surpresas” estão reservadas para este concerto?

Moçoilas - As Moçoilas receberam um convite do Município de Faro/Teatro das Figuras para serem “Artista Figuras 2019”, o que implica a realização de 3 concertos distintos. Neste contexto, o primeiro momento aconteceu em Abril, com a apresentação do novo disco “Atão porque não?”, no qual contámos com a presença de outros músicos da Região; o segundo concerto foi em Setembro, no Festival F, com um projeto que mistura o canto do sul (nas vozes das Moçoilas) com o canto improvisado de Maria João (jazz) e outras sonoridades jazzísticas e tradicionais dos músicos João Frade, João Farinha e Quiné Teles; no dia 30 de Novembro, no Teatro das Figuras, realizaremos o terceiro concerto, integrado neste conceito, e será uma estreia absoluta, Moçoilas e Galandum Galundaina. Na base deste projeto está a intenção de juntar, misturar, ligar a música tradicional dos dois extremos do país.

PR - Para terminar, ainda continua a ouvir-se na serra algarvia os sons e cantares das mulheres?

Moçoilas - Os sons e cantares da serra sempre se ouviram das bocas de homens e mulheres, e sempre estiveram presentes ora nos trabalhos do campo ora nas lides domésticas do cuidar dos dias. Cantava-se os amores, e os desamores, com umas malandrices pelo meio, umas frutas e uns despiques. Dos homens ouvem-se ainda as histórias bem antigas, do tempo em que palmilhavam quilómetros a pé para ir ao baile ali ao Alentejo. Hoje canta-se menos na serra e canta-se menos em todo o lado… Na serra porque foi sendo despovoada. Mas de uma forma geral, em todo o lado. Estamos mais solitários nos trabalhos e na vida social. Trabalhamos online e socializamos virtualmente. Queremos continuar a ir à serra, de quando em vez, para nos inspirarmos nos cheiros, nas gentes, nas histórias. Queremos levar de volta o canto recriado, transformado, numa espécie de simbiose. Queremos que o canto da serra se continue a ouvir das bocas dos mais velhos e dos mais novos, das bocas de homens, mulheres e crianças. Que se cante mais e que a tradição perdure...




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