21/12/2019

ANDRÉ RITO | Discurso Direto


Quando passam dois anos sobre a morte do guitarrista dos Xutos & Pontapés, foi lançado recentemente "Zé Pedro - Uma Biografia", escrito pelo jornalista André Rito e ilustrado por Pedro Lourenço e que se junta a outros títulos que a editora Suma de Letras tem publicado. Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado André Rito.

Portugal Rebelde - A primeira biografia do guitarrista Zé Pedro é ilustrada e pensada para um publico jovem?

André Rito - Julgo que esta biografia abrange um espectro alargado de leitores. Sendo um livro ilustrado, essa componente torna, eventualmente, a leitura mais simples para os mais novos, embora não creio que se destine exclusivamente a estas faixas etárias. O livro procura contar uma história possível entre muitas que o Zé Pedro viveu. Neste caso, tentando mostrar um lado menos conhecido da vida do guitarrista, através de pequenas histórias e episódios laterais que nos ajudam a compreender as suas múltiplas facetas, do músico de rock ao divulgador de cultura, na radio, televisão e nos jornais, do seu lado mais boémio na época do Johnny Guitar à pessoa generosa e sensível que tocou tanta gente em Portugal.

PR - Como é que foi pensada e organizada esta biografia?

André Rito - A ideia foi recolher testemunhos de quem privou com o Zé Pedro, em diferentes momentos da sua vida. Foram dez entrevistas feitas a familiares, amigos, músicos, colegas de banda, e jornalistas. Houve uma ideia que sobrou de todas estas conversas: o Zé Pedro era genuinamente uma pessoa boa, generosa, preocupada com toda a gente. Há dias li uma frase muito certeira que alguém escreveu a propósito do Zé Pedro: ele tinha a capacidade de fazer os outros sentirem-se importantes. E isto diz muito sobre a personalidade de uma pessoa tão consensual na sociedade portuguesa.


PR - A família, a paixão pela rádio, os ídolos e a fundação dos Xutos & Pontapés são alguns dos temas abordados nesta obra. Há aqui alguma “história” que merece ser destacada?

André Rito - O Zé Pedro teve uma vida sempre muito intensa. Fruto das suas vivências e dos muitos contextos em que viveu: destacaria talvez o dia em que ele chegou do seu primeiro interrail, em 1977, durante o qual assistiu a um festival punk com Sex Pistols e The Clash. Como era Verão, viajou directamente até ao Algarve, onde a família passava férias, e fechou-se na casa de banho assim que entrou em casa. Saiu de lá com o cabelo rapado, algo a que os avós não acharam grande piada, e, para mim, este foi o momento em que nasceu o Zé Pedro dos Xutos & Pontapés. Apesar de não saber ainda tocar, de estar longe de uma banda de rock, essa viagem teve uma influência decisiva no desejo de formar uma banda. Estava totalmente no espírito do punk desses tempos: do it yourself, fazer acontecer. E assim foi. Os Xutos começaram pouco depois.

PR - No prefácio deste livro, Tó Trips afirma que o Zé Pedro “era uma pessoa atenta ao que se passava ao seu redor, atenta ao mundo e atenta aos outros.” Foi um pouco de tudo isto que fez do Zé Pedro um ser humano tão amado por todos?

André Rito - Sim, o Zé Pedro era uma pessoa muito atenta e verdadeiramente preocupada com os outros. E isso notava-se até na forma como falava ao telfone com os amigos, sempre carinhoso. Num dos meus encontros com ele, numa altura em que fiz um artigo sobre a história do punk em Portugal, estávamos a almoçar e ele ligou ao Ribas, dos Censurados, para me dar uma entrevista, e esse carinho que ele tinha pelos amigos notava-se até no tom de voz. Sempre com uma enorme disponibilidade para ajudar. Costumava dizer que para falar de rock’n’roll tinha sempre tempo.

PR - Para terminar, o “segredo” da longevidade dos Xutos & Pontapés passa muito pela figura do Zé Pedro, enquanto elemento fundador da banda?

André Rito - Eu diria que os Xutos & Pontapés são fruto persistência do Zé Pedro. Foi ele o elemento agregador de todos os restantes, além de ter sido o fundador, juntamente com Zé Leonel, quando a banda tinha o nome de “Delirium Tremens”. O Zé Pedro, não sendo um músico de excepção, no sentido técnico, tinha uma visão muito realista do que era fazer uma banda, do que estava para além da música. Foi ele que entregou a cassete do “Sémen” ao António Sérgio, numa madrugada em frente à Renascença, que daria origem ao primeiro disco. E persistiu muito: se no início teve de aprender a tocar, depois acabou por desenvolver um estilo próprio, inconfundível, muito em jogo com a bateria, e sempre imprevisível. Essa característica era, na minha opinião, fundamental no som que os Xutos faziam ao vivo com o Zé Pedro. Mesmo assim, acho que a banda continua a ter um som poderoso ao vivo, com o Gui a fazer as vezes do Zé Pedro, no sax.

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