23/10/2020

TERESA COUTO PINTO | Discurso Direto

  
Foto: João Silveira Ramos


A Oficina do livro acaba de editar um livro-álbum em formato LP com fotografias inéditas de António Variações, captadas ainda quando o cantor começava a afirmar-se no panorama musical e cultural português. Graças à relação de grande proximidade e amizade entre Variações e a sua fotógrafa (e também agente) Teresa Couto Pinto, que assina esta obra, trata-se de uma coleção de imagens bastante intimista que viaja pelo mundo muito próprio de Variações. A sua estética peculiar, os seus amigos, a sua barbearia e a sua casa – e consegue captar o espírito absolutamente inovador e revolucionário de um dos grandes ícones da música portuguesa de todos os tempos. O texto de Manuela Gonzaga, biógrafa do cantor, reforça o valor ímpar destas fotografias. Hoje em "Discurso Direto" é minha convidada Teresa Couto Pinto.

Portugal Rebelde - As imagens que estão agora em livro estiveram guardadas durante 35 anos. Este livro precisou de tempo e espaço? 

Teresa Couto Pinto - Eu considero que sim. De tempo para que o público voltasse a interessar-se pelo António Variações, como pessoa e sobretudo como artista, poeta, cantor e compositor e pelo legado riquíssimo que nos deixou e não pelo motivo da sua morte que durante anos foi explorado até à exaustão. O António foi muito mais que a doença que o vitimou. E também tempo para eu amadurecer a ideia deste livro. E de espaço para criar as condições para o editar. Queria que ele tivesse uma chancela que o honrasse e valorizasse e isto só foi possível agora com a Leya e com o apoio de um mecenas do Norte e do Theatro Circo de Braga. A disponibilidade de todas as pessoas que colaboraram neste livro também foi muito decisivo para a data escolhida.

PR - As pessoas que privaram com o António Variações dizem que ela era tímido. Mas nestas fotografias vemos um homem exuberante e ousado. Transfigurava-se? 

Teresa Couto Pinto - O António era uma pessoa tímida no dia a dia. Nestas fotos ele estava a posar para ele próprio. Quem estava atrás da câmara era uma amiga. Tínhamos muita confiança um no outro. Ele sabia que eu não ultrapassaria determinados limites, e que jamais faria fotos que prejudicassem a sua imagem. Todas as fotos que estão neste livro foram consensuais. Ele adorou todas as fotos que lhe tirei. 

PR - As sessões eram devidamente preparadas ou o António sabia muito bem o que pretendia? 

Teresa Couto Pinto - As sessões não eram preparadas. Era um trabalho espontâneo. Muitas das vezes, passava por casa dele por outro motivo qualquer e ele tinha acabado de vir da modista com peças novas de roupa. Eu andava quase sempre com a máquina fotográfica atrás e aproveitávamos para fotografar conjuntos de roupa no tempo de que dispúnhamos e da luz existente. Outras vezes tirávamos fotos porque sim. Ele gostava de ter a ideia de como os outros o viam. O seu reflexo no espelho não lhe chegava. E esse olhar só a fotografia é que lhe podia dar. E o António também gostava de ser fotografado, tinha o seu lado narcísico. Foram muito poucas as sessões combinadas. Foi sempre um processo natural e espontâneo. 

PR - Secreto, discreto, educadíssimo, gentil e generoso. Estes são, os adjetivos perfeitos para definir António Variações? 

Teresa Couto Pinto - Entre outros. Era discreto na sua maneira de ser. Falava baixo e educadamente. Sorria com facilidade. Era generoso e protetor com as pessoas de quem gostava e com os mais frágeis. Era de uma grande honestidade e sobretudo tinha valores morais e de educação muito fortes, transmitidos pelos pais, gente simples mas rigorosos nos valores passados aos filhos. Apesar de eu já o ter conhecido numa fase mais amadurecida em a sua situação económica e as conquistas profissionais se estavam a concretizar contradigo algumas opiniões expressas por quem o conheceu mais jovem, em relação ao seu humor e semblante muitas vezes fechado e carrancudo que contradizem um pouco os meus relatos. Mas creio que na altura em que o conheci estava numa fase muito boa da vida. As dificuldades tinham ficado para trás e estava finalmente a chegar aonde sempre quis. E estava sobretudo feliz com o facto de estar a realizar o sonho de ser cantor. Como ele disse foi um longo corredor que teve de atravessar para atingir o seu sonho. Pena que foi tão breve. 

PR - “Dar & Receber” foi título do álbum, e da canção com que ele se despediu de nós. Este foi sempre o seu lema de vida? 

Teresa Couto Pinto - Pelo tempo que vivenciei com ele não tenho dúvida. Sempre o vi dar bastante a quem o rodeava. Em atenção, carinho e apoio. Espero que tenha recebido na mesma proporção.

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