O Ciclo Produtores Associados no Teatro Maria Matos termina amanhã com a atuação d´ A Garota Não, alter ego da cantautora setubalense Cátia Mazari Oliveira que prepara para o início de 2022, a edição do seu segundo disco, aguardado com enorme expectativa pelo seu crescente número de fãs e pela critica. Hoje em "Discurso Direto" é minha convidada A Garota Não.
Portugal Rebelde - Antes de mais, quer contar-nos como é que começou a sua “paixão” pela música?
A Garota Não - Sempre gostei muito de ouvir música e na casa da minha família cresci assim, perto do rádio que ficava na mesa de cabeceira do meu pai e da aparelhagem do meu irmão. Sempre adorei brincar na rua, era o que fazíamos dias inteiros no bairro, mas havia dias das férias grandes em que ficava em casa só a ouvir canções e a estragar cassetes aos meus pais quando descobri que o botão REC me dava palco. Ainda tenho cassetes dessas e arrepio-me só com a ideia de as ouvir. Depois, havia uma espécie de linhagem a respeitar: a minha avó passava o dia a cantar em casa, para se entreter enquanto o meu avô não vinha do mar, e para entreter as vizinhas do bairro dos pescadores, que chegavam a juntar-se ao postigo dela. A minha mãe tinha uma voz de ouro e também gostava muito de cantar. A minha tia não perdia um karaoke e eu fui crescendo neste envolvimento. Na minha casa chegávamos a comer da mesma panela de sopa 3 e 4 dias seguidos. Não tínhamos opção. Mas sempre houve livros à mão, prontos a serem lidos. E do rés-do-chão ao último andar naquele prédio desolado de bairro social, não faltava música nunca! E servia todos os gostos. Valorizava-se o bem-estar que ela nos trazia. Porque trazia, e muito.
PR - O que é que vamos poder ouvir no concerto do próximo de amanha, no Teatro Maria Matos?
A Garota Não - vamos ouvir os temas do primeiro disco - Rua das Marimbas - já com tudo o que a estrada e os muitos encontros que tivemos nos trouxe. A música tem essa riqueza: é de uma plasticidade imensa, infinita. E por isso ouvir aquelas canções agora é fazer já uma viagem muito diferente. Além da Rua das Marimbas, levamos connosco amigos que convidámos para celebrar o fecho desta primeira volta, com os quais, de alguma forma, tivemos episódios felizes. Falo por exemplo de Um Corpo Estranho e da Academia de Dança Contemporânea de Setúbal. De resto não há muitas invenções relativamente ao alinhamento que temos tocado. Não é para isso que este concerto serve. Este é uma festa-balanço, mas uma festa serena, um barco que regressa ao cais depois de muitos meses fora. E que traz pouco peixe para sustentar a família, mas uma data de estórias de amor.
PR - Prepara para o início de 2022 a edição do segundo disco. O público do Maria Matos vai ter a oportunidade de ouvir algumas das novas canções?
A Garota Não - Sim... uma em particular de que me orgulho muito chamada Canção sem Final. Que nasce como um manifesto de um amigo numa entrada de facebook: "Podem Decretar o fim da arte, é como decretar o fim da chuva". É uma frase belíssima, uma ideia belíssima, sustentada numa crença inabalável, que coloca a arte e a cultura num ponto basilar da existência humana. O Homem em Catarse dizia outro dia num concerto que "não é só no supermercado que está o que nos alimenta". A arte é um manancial de sustento espiritual, mental, o que queiramos chamar-lhe.
PR - É dona de uma escrita poderosa e crua que, de forma poética e genuína, faz-nos viajar pelo amor, pelo sofrimento, mas também por uma música de intervenção do nosso tempo. Acredita que a canção (ainda) é uma arma?
A Garota Não - Não sei se arma é a palavra em que mais acredito. Mas é com certeza um motor poderoso para chamarmos a atenção ou denunciarmos assuntos que merecem uma consciência e uma intervenção mais coletivas. Se lhe quisermos chamar arma, podemos imaginar que as palavras são como balas. Há quem as receba bem fundo, no coração, e que sonhe com um tempo melhor, mais justo. Há quem as tome só como balas de paintball. A roupa fica marcada mas assim que se chega a casa muda-se o fato e ouve-se outra coisa qualquer.
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