"Under a Water Sky" é o segundo álbum do compositor, pianista e musicólogo Hélder Bruno. A música de "Under a Water Sky" expõe-se, de forma discreta e sem imposições, de modo arrojado e sofisticado, sem perder no entanto complexidade, densidade, força e identidade. As influências percebem-se claramente, numa simbiose que vai do barroco ao jazz e do pop-rock à world music, incluindo diversos elementos eletrónicos. "Under a Water Sky (Sob um céu de água)" é a ilusão que consiste em percecionar o céu como a continuação da própria água; o fenómeno no qual entre a superfície de água e o céu não se distinguem diferenças. É sob este céu de água que vive a narrativa que Hélder Bruno pretendeu criar neste novo trabalho. Hélder Bruno, é hoje meu convidado em "Discurso Direto.
Portugal Rebelde - Que viagem é esta, que podemos “embarcar” no álbum “Under a Water
Sky”?
Hélder Bruno - “Under a Water Sky” é uma narrativa em música… Um conto em vários capítulos,
em que cada faixa é um capítulo, contudo, um capítulo com uma história em si
mesmo. Os títulos – o do álbum e o de cada faixa – são uma espécie de programação
para a sintonia com o imaginário que cada ouvinte criará ao escutar.
De forma mais objetiva, é esta a história:
Under a Water Sky (Sob um céu de água)
Porta 17. Chama-se Dinis.
Morava onde o rio encontra o mar. E do rio, do mar e da terra vivia todos os dias
com aquilo que corpo e alma necessitavam. Amor, sacrifício, alegria. Vida vivida.
Verdadeira. Feliz.
Foi marinheiro que uma sereia quis levar para o mar profundo (The Sailor, the
Mermaid and the Sea)… não fosse a Bruxa Branca e ter-se-ia naufragado (The
White Witch of the Seas). Sim. Naufragou… mas em noite de tempestade (Holy
Storm) enquanto as mulheres rezavam na praia (Ave Maria).
As noites e os dias esperaram no mar até que lhe chegou uma ilha (The Island).
Fonte de esperança. No morro um roseiral, do qual protegeu uma rosa como sua
(Rosa).
As noites e os dias esperaram até que o fogo chegou e com a chuva se esfumou.
Tudo floresceu e ele, contudo, sempre com tudo (Blossoming).
E náufragos de todos os lados de todo o mundo chegaram. Nova terra, vermelha e
quente (Land, red and Warm), sob um céu de água.
Digamos que este será o primeiro plano de compreensão/interpretação, o primeiro
estádio de interpretação. Cada ouvinte interpretará, imaginará ou criará o universo
que quiser ou conseguir. Daí dizermos que a viagem do pensamento, do sonho, da
imaginação é a viagem mais verdadeira… A viagem dos impossíveis. Porque tudo é
possível.
PR - Este disco conta as participações da cantora Maria João, Sérgio
Carolino, Marito Marques, O Gajo, Vasco Casais (Omiri, Seiva) e Carlos
Martins. Quer falar-nos um pouco do contributo destes músicos neste disco ?
Hélder Bruno - Cada uma destas participações foi pensada na perspectiva do seu contributo para a
construção do universo estético e sónico do álbum, tendo em conta a narrativa, a
“história” que desejo contar. Evidentemente que admiro muito o trabalho de cada um
dos convidados especiais e do Blossom Ensemble (quinteto de cordas e duas vozes) que
trabalharam para a gravação do álbum. Isso também contou. Mas penso que essa é uma
premissa que estará presente a priori em qualquer circunstância… efetivamente, o
principal fator foi mesmo a contribuição de cada um para o universo global de cada
tema, tendo em conta o álbum como um todo. No fundo, são personagens desta história.
Marito Marques fez todas as percussões do álbum. Vasco Casais fez o solo de
nyckelharpa em “The Sailor, the Mermaid and the Sea”; O Gajo, na viola campaniça,
solou em “White Witch of the Seas”, Sérgio Carolino tocou o solo de tuba em “Holy
Storm”, Carlos Martins (Rato) cantou a “Rosa” como só ele sabe; e a Maria João – a
única mundialmente Maria João – cantou “Land, red and warm” e escreveu a letra em
Changana (uma língua banta falada em Moçambique, mas também em África do Sul).
Do Blossom Ensemble fazem parte Maria Kagan e Tünde Hadady (violinos), Rogério
Monteiro (viola d’arco), Feodor Kolpashnikov (violoncelo), Miguel Falcão
(contrabaixo), Mafalda Camilo e Ana Maria Rosa (vozes). O álbum foi gravado no
grande auditório do Conservatório de Música de Coimbra, uma sala excelente, e contou
com a colaboração técnica de Gonçalo Santos na captação. Na mistura e na
masterização o Gonçalo e eu contámos com Miguel Sêco (Studio 341 e Robannas
Studios).
PR - As influências deste álbum percebem-se claramente, numa simbiose que vai
do barroco ao jazz e do pop-rock à world music, incluindo diversos
elementos eletrónicos. A força, a identidade e a estética da sua música está
aqui bem vincada?
Hélder Bruno - Sinto-me muito mais identificado com este álbum, é verdade. Sinto que é por aqui que
devo seguir. Interessa-me continuar a explorar este universo estético do
indieclassical/neoclassical (como a indústria designa). É-me muito mais difícil compor
no tonalismo e depurar essa identidade estética musical que penso me define do que
noutras linguagens musicais. Por outro lado, a simbiose que refere interessa-me
especialmente. Uma espécie de universalismo simbólico sem que se sintam barreiras ou
fronteiras entre essas influências. Se possível, ou se sentir necessário, num mesmo tema.
Julgo que consegui isso neste álbum. Depois, penso que a sociedade contemporânea –
do hiperconsumo, do hiperespetáculo como designa Lypovetsky – desta “era do vazio”,
como também batizou este autor – exige uma atitude crítica e ativa em prol do regresso
ao humanismo, aos afetos e aos sentimentos, ao sonho, ao amor. É este o meu (modesto
e humilde) propósito através da minha música: levar aos outros redutos de humanismo.
PR - “Door 17”, foi o single de apresentação deste disco. Este é tema que melhor
caracteriza o “espírito” deste álbum?
Hélder Bruno - Pensámos de facto assim. Para além de ser a “porta” do álbum e a entrada para a tal
“viagem”, também julgámos que esta faixa sistematizava bem o conceito global do
álbum e da própria estética musical que me define. Simples sem ser simplista. Profunda
sem ser difícil. Sem presunção inovadora mas com novo sentido estético e sónico. E
que, em suma, permite identificar-me, como já temos vindo a constatar em vários
momentos e em testemunhos do público: “Ah!… isto é do Hélder Bruno”… Confesso
que isso me deixa feliz.
PR - Depois do disco, onde é que poderemos ver e ouvir as canções de “Under a
Water Sky”?
Hélder Bruno - Felizmente, tenho tocado bastante ao vivo. A minha música possibilita vários formatos
e todos os espaços, lugares e cenários que se imaginem. A solo, em dueto, trio, com
eletrónica, percussão, vozes, orquestra… De salas de espetáculo às eiras serranas das
míticas aldeias do xisto, passando por castelos, mosteiros, igrejas e até festivais, temos
tocado bastante e a recetividade tem superado as expectativas. Neste momento estamos
a trabalhar já para 2023. Ainda em 2022, vou tocar em Porto Alegre (Brasil), entre 1 e 5
de dezembro. Estarei no MATE (um evento dedicado à indústria da música) a convite
da produção do evento e com o apoio da GDA. Haverá outros concertos na região
nessas datas.
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