12/04/2018

HELENA SARMENTO | Discurso Direto



Com a chancela da GDA e do Museu do Fado chega amanhã às lojas o 3º disco disco de Helena Sarmento, "Lonjura". No seu novo disco Helena Sarmento surge mais do que nunca esplendorosa e livre.

Portugal Rebelde - A propósito da edição deste “Lonjura”, Fernando Dacosta escreveu: ”discreta, secreta, encetou a sua afirmação fora das correntes dominantes, norteada por uma exigência, uma lucidez inamovíveis”. Como tem sido o “caminho” até chegar aqui?

Helena Sarmento - Este é o meu terceiro disco. Quer este disco, quer o “Fado Azul” (2011) quer o “Fado dos Dias Assim” (2013), são edições de autor. Olhada esta circunstância, é fácil compreender que tem sido um caminho difícil. Claro que ao longo desse caminho houve muito de bom, muitas coisas gratificantes que, afinal, são a razão de ter persistido. O Fado Azul e o Fado dos Dias Assim, apesar da escassa divulgação nacional, foram editados para todo o mundo pela prestigiada Sunset France, de cujo catálogo faz parte um elenco muito restrito de fadistas. E aconteceram alguns concertos muito intensos, por exemplo em França, na Alemanha e na Polónia, que me ajudaram a vencer momentos difíceis e a acreditar que o fado era o meu caminho e que havia lugar para o meu fado. As dificuldades não são só sofrimento, são também causa de superação. E ao longo desse caminho é natural que também tenha crescido, como pessoa e como artista, apesar de persistir sempre na coerência e no propósito de um projecto. Hoje, olho para a contracapa deste novo disco e vejo lá a chancela da GDA, da Antena 1 e do Museu do Fado. A preocupação da coerência e o propósito de um projecto são maldições que assombram a consciência, mesmo quando libertam a voz mas quero acreditar que este reconhecimento, impresso neste disco, significa que o caminho passado, embora difícil, apontava a direcção certa.

PR - De que é que nos fala o tema que dá nome a este novo disco?

Helena Sarmento - O poema é da autoria do meu pai, Joaquim Sarmento. Essas palavras foram por ele escritas em tempos bem mais felizes, mas a partir de certa altura, à medida que a condição de saúde do meu pai se foi agravando, deixaram de ser apenas palavras lindíssimas e passaram a pesar-me cada vez mais, como se afinal fossem uma premonição dessa sua condição. Neste disco em nenhum lugar surge a palavra “saudade”, essa dominadora presença da ausência. Mas depois daquele percurso interior das palavras, “Lonjura” é aqui o seu superlativo: a presença da ausência de quem ainda está presente, a mais insuportável das saudades, tecida pelas mãos da doença. É disso que falam as palavras do poeta, escritas quando ainda não sabia que era disso que falavam.

PR - Qual é o tema deste disco que melhor caracteriza o “espírito” deste “Lonjura”?

Helena Sarmento - A resposta previsível seria Lonjura. Mas não é. É talvez o Fado em Branco. Lonjura, pelo contexto que referi, acabou por traduzir a dimensão trágica da vida. O Fado em Branco é a vida toda, pela vida toda.Por isso, é a faixa que abre o disco.

PR - Para além dos 4 temas originais que compõem este disco, encontramos dois temas pertencentes ao repertório de Amália Rodrigues (Fado Xuxu) e José Afonso (Era um Redondo vocábulo). Há alguma razão especial para a escolha destes temas?

Helena Sarmento - Quanto ao fado Xuxu: tal como nos meus dois discos anteriores, também neste interpreto um tema do reportório de Amália. Mas a razão é muito singela. A sua inclusão tem como único propósito o de contribuir, na minha modesta medida, para que a sua memória permaneça e para que o Fado não esqueça o quanto, nele, todos lhe devemos. Foi assim que por mim foi cantado; é assim apenas que espero que seja ouvido. Quanto a Era um Redondo Vocábulo, de Zeca Afonso, a razão é diferente: há anos que a ideia de gravar este tema me perseguia. Mas tal como nos acontece com tudo o que achamos delicado e precioso, demoramos muito os olhos na sua admiração mas receamos que o mínimo toque das nossas mãos lhes adultere a beleza. Neste caso a questão é ainda mais complicada, pois que quem gosta de cantar Zeca Afonso quer cantar Era um Redondo Vocábulo e há quem o cante muito bem. A solução acabou por chegar com o magnífico arranjo do André Teixeira que com extrema elegância e inteligência conferiu um inesperado e merecido destaque ao baixo, executado pelo Ginho e deu espaço em lugar nobre à criação livre do Samuel Cabral. Tive apenas que cantar... Mas eu tenho também um grande carinho pelo outro cover a que me atrevi: O Bêbedo e a Equilibrista, da autoria de João Bosco e Aldir Blanc, que foi celebrizado na voz de Elis Regina e que é o tema que encerra o disco. Todos nós falamos a voz do nosso tempo e por isso justifica-se que num disco embora marcadamente próprio se expressem referências ou influências e, no meu caso, algumas delas encontram-se na música brasileira. É o caso de Elis Regina. Mas Elis é Elis. Inimitável. Por isso, aqui, nós os quatro, eu, o Samuel, o André e o Ginho, fomos à procura do fado que poderia estar lá dentro. E quero acreditar que o encontrámos.

PR - Está feliz com resultado final deste “Lonjura”?

Helena Sarmento - A relação entre o criador e a criatura é uma realidade poliédrica, variável e inesperada. Mas dentro de toda a imponderabilidade da minha relação futura com o disco, quando houver entre mim e ele outra distância, tenho que dizer que sim, que estou feliz com o resultado gravado. Para isso contribuiu desde logo o próprio ato de gravar. A gestação de um disco tem aí o seu momento final, em que o projecto e a voz se fixam num suporte que os aprisiona para sempre, e esse processo, esse acto final, sempre me foi um bocadinho exterior isto é, sempre o senti como envolvendo alguma ameaça à minha liberdade como artista. Numa frase: nunca gostei muito de estar em estúdio. Este disco parecia querer percorrer o mesmo caminho: iniciei a gravação ainda em 2016 mas as coisas não fluíram e acabei por suspender. Meses depois apresentaram-me o José Lourenço (que gravou, misturou e masterizou o disco) e tudo foi diferente; pela primeira vez o estúdio de gravação foi por mim sentido como mais um instrumento e o José Lourenço como mais um artista. Por isso, desde os temas que já referi, passando também por Fado não-Valentim (mais uma doce subversão de um tema popular pelas palavras do joão-gigante ferreira), Noite de Inverno (com palavras novas para o fado Mocita dos Caracóis, de Alfredo Marceneiro), Contigo por Lisboa, Fado Jurídico-Criminal (mais dois originais, ambos com música do André Teixeira e palavras do joão-gigante ferreira), Fado Depois da Tempestade (outro original, do Samuel Cabral), até Fado Azul (com palavras também do joão-gigante ferreira para o fado Vianinha), tudo me pareceu ter encontrado o seu próprio lugar no alinhamento final, como se assim tivesse sido planeado. E essa sensação é aquilo que me deixa afirmar que estou feliz com o resultado.

PR - Para terminar, o que é o público pode esperar de um concerto seu?

Helena Sarmento - Pode esperar um concerto de fado mas com muito dinâmica, capaz de descer do palco e envolver a plateia. É um disco muito luminoso. Ao alinhamento de Lonjura juntámos uma cuidada escolha de temas dos dois discos anteriores e também alguns fados que vivem na memória colectiva e que asseguram a dimensão de espectáculo e de participação que o entretenimento exige. Já testámos esse alinhamento ao vivo, em Guimarães, onde voltaremos no dia 30 de Junho (Moreira de Cónegos) e face à forma como as pessoas reagiram durante o concerto mesmo perante temas inteiramente desconhecidos e à forma como se expressaram no final, estamos muito satisfeitos com o resultado. O primeiro concerto de Lonjura será no Museu do Fado, no dia 15 de Maio, pelas 19.00h.


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