08/05/2019

DIOGO MENDES| Discurso Direto


Diogo Mendes é músico, produtor e compositor, um dos mais promissores guitarristas de Guitarra Portuguesa ao estilo de Coimbra. Herdou do pai o gosto pela música, mas a paixão pelo Fado de Coimbra e pela Guitarra Portuguesa surgiu em 2011, com a chegada à Universidade de Coimbra e à Estudantina Universitária de Coimbra. "Portefólio" é o seu primeiro trabalho a solo, que conta com a participação de inúmeros convidados com quem se cruzou ao longo do seu percurso artístico, sumariando as suas vivências até à data. Hoje em "Discurso Direto" recebemos Diogo Mendes.

Portugal Rebelde - Que “desafios” são estes que nos propõe no álbum “Portefólio”?

Diogo Mendes - O maior desafio é sem dúvida conseguir que as pessoas ouçam um disco de Guitarra Portuguesa, onde a busca de novas sonoridades e o cruzamento com outros ambientes desempenham um papel fundamental. Assim conseguimos inserir alguns temas clássicos da Guitarra Portuguesa ao estilo de Coimbra num disco que as pessoas de facto ouçam e com o qual se identifiquem.

PR - Este disco é a prova que a guitarra portuguesa também se pode cruzar com outros ambientes sonoros que não o Fado?

Diogo Mendes - Não que necessite de haver prova alguma, já muitos o fizeram no passado com sucesso, mas sim, a Guitarra Portuguesa pode e deve cruzar-se com outros ambientes sonoros. Só temos a aprender uns com os outros ao levar um pouco da nossa linguagem musical para outros ambientes e, invariavelmente, acabar por trazer também algo novo para o nosso Fado e para a nossa Guitarra. Não há que ter medo nem manter dogmas desnecessários.

PR - “Portefólio” conta com a participação de inúmeros convidados com quem se cruzou ao longo do seu percurso artístico. Quer falar-nos um pouco destas participações?

Diogo Mendes - Comecei a percorrer o país em concertos graças à Estudantina Universitária de Coimbra, que foi também onde me apercebi que podia dedicar-me a tempo inteiro à música, pelo que o álbum começa exatamente com essa participação. Comecei a encarar a música muito mais a sério com a formação do Grupo de Fado Amanhecer, pelo que este também tinha de estar presente. Todos os outros convidados fizeram parte do caminho desde então: Conheci a Soraia Cardoso e a Mafalda Duarte numa iniciativa que promoveu o Fado e a Canção de Coimbra interpretados por mulheres e, ao compreender a importância desta iniciativa, não podia deixar de as convidar a participar. O Ricardo Araújo é um amigo virtual que vem emprestar a sua Guitarra Portuguesa a um tema, juntamente com o Ricardo Silva, grande mentor e professor meu. Desafiei também o Tiago Nogueira e o Ricardo Liz Almeida (vocalistas d'Os Quatro e Meia) a virem interpretar um tema clássico de Coimbra, que eles fizeram de forma maravilhosa. Os Alentejo Cantado aceitaram o convite para cantarem uma Moda Alentejana enquanto eu os acompanhava como se fosse um Fado de Coimbra. Por fim, numa tentativa de aproximar a música de Coimbra e a Guitarra Portuguesa às camadas mais jovens, convidei o Luís Peixoto para transformar uma "guitarrada" clássica de Coimbra num tema eletrónico, onde também tive a participação do Ricardo Silva. Penso que este tema terá causado o maior impacto, uma vez que através do videoclip realizado pelo Tiago Cerveira e com a participação da bailarina Clara Carvalho, obtivemos uma nomeação para o Music Shorts Film Festival a decorrer em Montana nos Estados Unidos da América. Este disco não seria possível também sem o contributo do meu grande amigo e companheiro de estrada João Ferreira, que me acompanhou na Viola em todos os temas.

PR - Neste disco rompe com a tradição e temos uma convidada a cantar fado de Coimbra. O fado de Coimbra precisa de se inovar?

Diogo Mendes - É da minha opinião que, se compararmos o Fado de Lisboa como era tocado e cantado nos anos 80 com o de hoje, a diferença é bastante significativa, mas se fizermos esta comparação entre o Fado de Coimbra da mesma data e o dos nossos dias, pouca diferença encontramos. Continua a tocar-se e a cantar-se os mesmos temas, nas mesmas situações, da mesma forma, o que apesar de ser bastante belo pode levar a uma estagnação do género musical e consequente desinteresse do público pelo mesmo. Independentemente da razão de ser desta realidade, creio que o Fado de Coimbra precisa de acordar e viver novos temas, novas temáticas e novas musicalidades. Mulheres a cantar Fado de Coimbra é, para mim, uma não questão. Faz todo o sentido e acho que só é preciso que a primeira abra caminho para as outras a seguirem. Mas renovar o Fado de Coimbra tem mais que se lhe diga, é também preciso novas abordagens, não necessariamente com outros instrumentos mas novos temas, novas harmonias e novas melodias, diferentes das tradicionais. Acredito que o receio das críticas possa levar muitos artistas a desistirem antes de começar, mas essa coragem parece-me crucial para a evolução de um género. Parece-me também essencial que os artistas que se dedicam atualmente ao Fado e Canção de Coimbra contem com discos editados adaptados às novas realidades. Temos artistas em Coimbra a editar discos sem terem presença nas redes sociais ou sem terem os discos disponíveis nas plataformas digitais, algo que para mim é inconcebível em pleno século XXI.

PR - Para terminar, alguma vez trocaria a guitarra portuguesa por outro instrumento?

Diogo Mendes - Tenho colegas que gostam de tocar todos os instrumentos. Têm vontade de experimentar e variar, estão sempre à procura de algo novo, mas confesso que não é uma força que puxe por mim. Há sempre algo de novo a encontrar na Guitarra Portuguesa e acho que não conseguiria ter a mesma ligação que tenho com outro instrumento, a Guitarra Portuguesa já faz parte de mim, da minha maneira de ser e de ver o mundo. Mas se falarmos de adaptar e modificar (atrevo-me a dizer evoluir?) a Guitarra Portuguesa, quer seja em termos práticos ou em termos apenas estéticos, aí creio que há caminho a percorrer.




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