18/01/2020

LAVOISIER | Discurso Direto


"Viagem a um Reino Maravilhoso" (Armoniz, 2019) é o último trabalho de Lavoisier, duo constituído por Patrícia Relvas (voz principal, percussão) e Roberto Afonso (vozes e guitarras). Lavoisier é um dos mais identitários e consistentes nomes da atual música popular portuguesa. "Viagem a um Reino Maravilhoso"  é um álbum conceptual sobre a obra de Miguel Torga e a região de Trás-os-Montes. Sete poemas de Torga, seleccionados pelos próprios Lavoisier, foram o ponto de partida para a composição de uma obra inspirada e única, que recupera o espírito de alguns grandes discos conceptuais produzidos em Portugal. Lavoisier, são hoje os meus convidados "Discurso Direto". 

PR - Quando iniciaram esta viagem sonora ao “reino maravilhoso”, alguma vez tinham tido algum contacto com a obra poética de Miguel Torga?

Lavoisier - Miguel Torga parecia pairar, ou assombrar, num bom sentido, o nosso trabalho desde a inclusão do poema “Eis-nos aqui”, como única informação escrita na contracapa do EP lançado em 2014, intitulado “De Eus para Mim, num Fa(r)do de Alecrim, Durme Sra. do Almortão”. Sendo o Roberto oriundo de Trás-os-Montes, havia uma conexão umbilical ao terreno mais inóspito, contudo, o mais belo do continente português, que parecia convidar as ambições artísticas do duo até a uma "viagem a um Reino Maravilhoso". Lá em casa, o primeiro a chegar terá sido os “Novos Contos da Montanha”; de seguida o “Cântico do Homem”, “Portugal”, “Contos da Montanha”; e por aí foi até à “A Criação do Mundo”, o último até à data.

PR - Como é que foi a experiência de gravar esta “Viagem a um Reino Maravilhoso”, em locais marcados pela presença do poeta?

Lavosier - Devemos confessar que foi muito inspirador e intimidante ao mesmo tempo. Por exemplo, enquanto gravávamos no Espaço Miguel Torga, em São Martinho de Anta, tivemos a sua presença em forma de retratos à nossa volta, como se de um mestre atento a tudo que fazíamos se tratasse. Mas a inspiração, com certeza, se sobrepôs a qualquer medo que pudesse advir daquele olhar profundo e penetrante.

PR - Composto por oito temas, onde sete são poemas musicados, o disco foi gravado e misturado por José Fortes, considerado como um dos técnicos de som mais importantes da música portuguesa. Este é também um momento “especial” nesta viagem sonora?

Lavoisier - O José Fortes tem sido um mestre e amigo na vida de Lavoisier desde há 5 anos. Assim que soubemos que íamos fazer isto acontecer, não pensamos noutro companheiro para esta viagem.

PR - Um dos objetivos desta edição é “não deixar morrer, de cuidar e avisar, de avivar e de celebrar Torga?

Lavoisier - Sim, sabemos da responsabilidade inerente a esta frase, mas não podia ser de outra maneira. Celebrar Miguel Torga e, neste caso específico, a sua poesia, é celebrar a arte de um dos escritores que mais escutou e partilhou uma das regiões mas distantes do mundo, quiçá de Portugal, e a elevou a património cultural e emotivo da humanidade!

PR - A capa deste disco reproduz um negrilho, “musa” inspiradora do poeta. É a natureza a marcar esta “viagem”?

Lavoisier - Decidimos que assim seria mal observamos pela primeira vez tamanha “monstruosidade” e tão bela. É engraçado que ainda sem nos termos aventurado no mundo “torgueano”, aquela imagem já o parecia descrever tão bem. Há coisas muito fortes que transcendem a própria arte do poeta. E Torga, para nós, tornou-se muito claramente o que já sabíamos de alguma maneira. Alguém cuja natureza o inspirava e emocionava, e com ele aprendemos a mais do que vê-la: aprendemos a escutá-la, a ouvir-lhe os amores e desamores de quem sempre escutou os nossos.

PR - “Viagem a um Reino Maravilhoso” chegou ao mercado numa edição exclusiva em formato vinil e limitada a 300 exemplares com a chancela da Armoniz. Ficaram felizes com esta escolha?

Lavoisier - Sim, muito. Nós já conhecíamos o trabalho do Miguel Silva e da Armoniz através das suas edições anteriores, com trabalhos irrepreensíveis, no que diz respeito a edições em vinil, como o dos Quarteto 1111 e o mais recente, o Blackground dos Duo Ouro Negro, até o “Palha” do José Cid. Todos eles de um detalhe e minúcia que acreditamos não haver assim tantos no mundo.

PR - “Viagem a um Reino Maravilhoso” mostra que a matéria-prima de Lavoisier é a própria natureza, a natureza de Torga que também se transforma?

Lavoisier - “Tudo se transforma” tem nos acompanhado desde sempre. Se no início a ideia parecia-nos bonita e inspiradora, hoje tornou-se missão! Podendo, ou devendo concluir, que com Miguel Torga Lavoisier não criou, esteve longe, muito longe de perder e abraçou toda a transformação que este trabalho proporcionou.




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