09/07/2020

ANIMAIS | Discurso Direto


Decorria o ano de 2003. Coimbra, então Capital da Cultura, viu subir ao palco do Teatro Académico de Gil Vicente o espectáculo "Mondego Chase", que a partir de alguns dos mais emblemáticos temas de Carlos Paredes juntava os Belle Chase Hotel com os músicos do Quinteto de Coimbra. 15 anos mais tarde, os mesmos músicos que arquitectaram o projecto reúnem-se para ressuscitar e completar a aventura musical pelo universo sombrio, negro e vibrante da figura mais carismática e livre da guitarra portuguesa. O projeto dá pelo nome de Animais - 15 Anos Sem Paredes. Hoje em "Discurso Direto" é meu convidado Pedro Renato, um dos elementos que integra o projeto Animais.

Portugal Rebelde - A génese deste disco está no espetáculo “Mondego Chase” que deram em 2003 no TAGV?

Pedro Renato - Sim. De facto, o espectáculo responsável pelos primeiros passos deste projecto tinha como nome "Mondego Chase" e estreou em 2003 no TAGV, em Coimbra, em duas datas agendadas no âmbito da programação da Capital da Cultura, e tinha como objectivo principal juntar duas vertentes completamente diferentes da música que vinha de Coimbra - o Quinteto de Coimbra, mais direcionado para o Fado ou Canção de Coimbra, e um outro lado mais rock, representado pelos Belle Chase Hotel. Na altura, a ideia era vestir as músicas dos Belle Chase com uma roupagem menos habitual, onde predominava a guitarra de Coimbra, embora tivéssemos começado logo aí a levantar um pouco do véu, apontando para o que viria a ser esse projecto hoje, porque, já na altura, para complementar o espectáculo, tínhamos já incluído no alinhamento três das versões que hoje estão no CD "15 Anos sem Paredes": "A Noite", "Verdes Anos" e "Despertar", que constituem precisamente o universo dos temas instrumentais deste disco na totalidade, uma vez que optámos por vocalizar o resto das versões que fizemos de Carlos Paredes.

PR - “15 anos sem Paredes” é um disco para almas inquietas e espíritos livres?

Pedro Renato - Eu acho que é um pouco isso, na medida em que é um disco um pouco negro e até introspectivo, mas ao mesmo tempo ousado, uma vez que poderia muito facilmente ter sido trágico no seu resultado, tanto quanto uma mulher a andar no campo com saltos agulha de 15 cms! Como achámos que ficávamos muito melhor de saltos altos, decidimos correr o risco de sermos irresponsáveis, temerários e livres o suficiente para nos fazermos a um terreno desconhecido, custasse isso as quedas que nos custasse! Por outro lado, gostava de pensar que este disco poderia ser um disco para todo o tipo de almas. Mas ouçam-no e decidam se a nossa melhor qualidade é o pior dos nossos defeitos, ou não!

PR - Esta é também a forma que encontraram para ressuscitar a obra da figura mais carismática da guitarra portuguesa?

Pedro Renato - Esta era uma das formas de o fazer. Haveria tantas outras quantas nos fossem permitidas pela nossa imaginação e padrões estéticos. Esta foi certamente a mais natural para nós e a que melhor soubemos fazer. Se é a melhor, não te sei responder. Mas foi a que fez sentido para nós e que melhor rimou com as nossas sensibilidades e recursos disponíveis.

PR - “Sede e morte”, foi o single de avanço deste “15 anos sem Paredes”. Este é o tema que melhor caracteriza o “espírito” deste disco?

Pedro Renato - De uma forma geral, acho que conseguimos um disco com alguma identidade e personalidade próprias, ainda que tenhamos pedido emprestada um pouco da personalidade de outrem, para desenhar e construir a nossa.Ou seja, mesmo com todo este carrossel musical e de emoções presente no disco, acho que acabou ainda assim por ficar um trabalho bastante coerente e, como tal, qualquer música faria tanto ou quase tanto sentido para single, como esta. Excepto talvez as três versões instrumentais do CD que, exactamente pela ausência de uma voz, poderiam constituir um desafio maior para se fazerem ouvir. (Ainda que, mesmo nessas três teríamos também sempre Verdes Anos como uma escolha algo segura e até certo ponto cobarde, uma vez que é talvez o tema mais emblemático do Paredes, tão reconhecível quanto o hino e a bandeira nacional juntos!)

PR - Para terminar, é urgente dar a conhecer obra de Carlos Paredes ao público mais jovem ?

Pedro Renato - Não te sei dizer se é urgente; muito importante é, seguramente! Aliás, é muito importante e, aí sim, urgente, dar a conhecer obras de autores em geral, a um público mais jovem, porque cada vez mais o conceito de "obra" está a perder-se com os formatos e plataformas digitais, onde se compram, ouvem, se fazem e se editam apenas temas soltos, porque é tudo muito rápido e efémero. Isso não é apenas culpa do público,mas também dos artistas, porque já não perdem muito tempo a pensar num disco como uma obra no seu todo. Dá muito trabalho,consome muito tempo, energia e talento fazê-lo e os resultados demoram muito a chegar e nunca, ou raramente, chegam num ratio de "give & take" justo!... Mas isso é conversa para demorar umas boas páginas! De uma forma direta e simples (como antigamente): sim. É, antes de mais, merecido que a obra de Paredes seja do conhecimento de todo o tipo de público, inclusive do mais jovem.




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